Quanto Pesa um Emigrante ?

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m'espanto às vezes, outras m'avergonho

Sá de Miranda

Nas últimas semanas estive a braços com uma gripe, que a dada altura suspeitei que fosse Covid, uma gastroenterite, o Sporting perdeu a vantagem no campeonato e ainda consegui bater com o carro. Mas nada me desarranjou tanto o corpo e o espírito como que se passou estes últimos dias em Portugal. O título deste texto é absurdo, mas reflecte bem o meu estado de espírito.

Foi esta semana que descobri que vai ser obrigatório um cartão bancário para se poder fazer transações online. Sim, vai ser necessário pagar por um bocado de plástico pelo privilégio de fazer pagamentos no telemóvel. E porque é necessário um cartão para utilizar a banca online ? Excepto para dar dinheiro a ganhar à SIBS, rigorosamente nada.

E o que tem isto a ver com os emigrantes ? Para além de terem de pagar por algo de que não precisam, vai ser o cabo dos trabalhos para se poder ter um cartão. O banco até pode enviar o cartão para o estrangeiro, mas tem que ter a morada actualizada. E para isso é necessário ir em pessoa a uma agência, coisa que praticamente não existe no estrangeiro. Porque deixou de fazer sentido, visto os bancos oferecerem todos os seus serviços online. E que por esta mesma razão, deixou de ser necessário ter cartão bancário. Está a correr uma petição lançada por um emigrante português no UK, contra esta imposição. Mesmo que chegue a bom porto, o Parlamento está em serviços mínimos e vai provavelmente chutar para canto. Por isso, se precisa mesmo de uma conta bancária em Portugal, só tem uma coisa a fazer: procurar alternativas.

Depois tivemos a novela do SNS que vai deixar de oferecer médico de família aos emigrantes. Pessoalmente parece-me uma decisão perfeitamente correcta. Se uma pessoa reside noutro país é normal que recorra aos serviços médicos desse país. Também não me escandaliza que existam emigrantes que prefiram um médico em Portugal. Para além da língua, há relações de confiança que se estabelecem e justificam a preferência. Mas nada me preparou para o nível de comédia a que o assunto chegou. Por um lado, temos o ministro a garantir que o SNS vai continuar a tratar dos emigrantes. Como, se nem dos residentes consegue tomar conta ? Por outro, temos o absoluto delírio de uma colunista do Público, que acha que os emigrantes preferem o SNS ao que têm nos seus países de acolhimento. Sim, como é sabido, um emigrante assim que sente o nariz mais ranhoso e a cabeça com febre, agarra num avião para Portugal, consulta qual é a urgência que está aberta e espera pacientemente as horas que forem precisas até ser visto por um médico sobrecarregado de horas extra.

O delírio atinge níveis estratosféricos, quando se sabe que o único caso público de emigrantes que foram de propósito a Portugal para serem tratados, é o das gémeas brasileiras com atrofia muscular. Vocês não sei, mas eu não tenho o contacto do filho do Marcelo, nem do Costa nem de ninguém com poder para autorizar gastos de milhões num tratamento que os médicos achavam ineficaz. Devo ter o modelo de telemóvel errado, certamente que esta lista de contactos vem com os novos iPhones.

E para terminar a semana em beleza, foi chumbado o projecto da Iniciativa Liberal para a criação de um círculo eleitoral de compensação. Grosso modo, o objectivo é recolher todos os votos que não contribuíram para a eleição de um deputado, num círculo onde seriam eleitos 40 deputados. Os votos desperdiçados são um problema essencialmente nos círculos pequenos, como os da diáspora, porque qualquer voto que não seja no PS ou PSD é essencialmente mandado para o lixo. No caso particular do círculo da Europa, nas últimas eleições houve quase 40 mil votos que foram para o lixo, ou em números redondos, um terço do total. E porque é que PS e PSD votaram contra ? Porque, e passo a citar "é uma boa ideia, mas não é o momento oportuno". Quando é importante, encontram-se soluções. Quando não é, arranjam-se desculpas.

Luso.eu - Jornal das comunidades