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I am gonna make you an offer you can't refuse.
Don Vitto Corleone
A semana passada a CIP, uma das associações patronais em Portugal, propôs pagar um décimo-quinto mês aos trabalhadores. O pagamento seria voluntário, só o fariam as empresas que assim o quisessem, e esse mês extra seria livre de impostos ou contribuições sociais. Esta foi a proposta mais sonante, num conjunto de trinta que a CIP propôs ao Governo e aos sindicatos.
Se o anúncio em si é extraordinário, afinal não é todos os dias que os patrões propõem aumentos significativos, já a reação dos sindicatos e da esquerda, essa foi a esperada: são contra. Ponto. O argumento, nas suas mais variadas formas, é o mesmo de sempre: pagando aos trabalhadores uma parte do salário isento de impostos, os patrões estão na prática a tirar aos trabalhadores. Confuso ? Eu explico.
Em condições normais, os trabalhadores pagam impostos e segurança social sobre o salário que recebem. Se uma parte for isenta, então estão a pagar menos para a sua reforma. Ou seja, o que recebem a mais agora vai-lhes faltar no futuro quando quiserem parar de trabalhar. Uma outra variação do argumento diz que se os trabalhadores pagarem menos impostos, vão ter menos serviços públicos e logo o dinheiro que ganham a mais vão ter que o gastar para compensar a perda de serviços públicos.
Estes dois argumentos, na boa tradição dos versos do António Aleixo, têm um fundo de verdade. É um facto que se os trabalhadores entregarem menos dinheiro ao Estado, este fica com menos meios para pagar serviços públicos e cotizar para a reforma. Este é o fundo de verdade. Tudo o resto é falso.
Em primeiro lugar basta ver que o Estado não é prejudicado com a proposta da CIP. O dinheiro dos impostos que recebe agora é exactamente o mesmo que receberia se os trabalhadores fossem aumentados, e esse aumento parte não pagasse impostos. O Estado não perde receita, pela simples razão de que essa receita não existe. A única diferença seria o bolso dos trabalhadores, que esse sim veria a diferença.
Um possível contra-argumento seria de que o Estado recebe menos do que poderia receber. O que é correcto, embora parte dessa perda seja compensada com a receita de IVA e outros impostos indirectos. Afinal, pelo menos uma parte do dinheiro extra que os trabalhadores recebem vai ser gasto, e esses gastos pagam impostos.
Por um lado, por outro, se é o Zé que se levanta todos os dias para ir vergar a mola, porque é que não deve ser o Zé a ficar com a maior parte do salário para o qual trabalhou ? A ideia de que o Estado tem o direito natural a ficar com uma talhada de todos os ganhos do nosso suor, tem o seu quê de mafioso. Compreendo a necessidade de pagar serviços públicos e ajudar os mais pobres, não compreendo a necessidade do Estado cobrar só porque sim.
O que nos leva à segunda forma dos argumentos contra, tendo menos dinheiro do que em teoria poderia ter, o Estado oferece menos serviços públicos e os trabalhadores terão que compensar a falta do seu próprio bolso. Mas se assim for, então o Estado tem de ficar com 100% do salário do trabalhador. Se ficar com uma percentagem menor, o Estado recebe sempre menos do que poderia receber em teoria. E seguindo a lógica do argumento, os trabalhadores nunca terão serviços públicos de qualidade e terão que pagar a falha do seu próprio bolso.
Este sistema em que o Estado fica com o salário todo, para o nosso bem claro, faz-me lembrar as minas no Chile do século passado. Como as minas eram em locais isolados, os mineiros eram pagos em fichas que só podiam ser trocadas na mercearia local, que por mero acaso era também da companhia. Mafiosice do piorio claro, e só não era escravatura porque os mineiros eram livres de se ir embora. Ao menos tinham mais sorte que os habitantes de hoje em Cuba ou na Coreia do Norte, onde o Estado também é rei e senhor e efectivamente não deixa ninguém sair.
Ser contra o aumento de salários num país de baixos salários, porque vai reduzir a oferta de serviços públicos que sabemos serem péssimos, é no mínimo rídiculo. Se a preocupação é a cotização para a reforma, uma das propostas da CIP é justamente que parte do aumento salarial seja directamente para um PPR individual. Se a preocupação é a redução de serviços públicos, que expliquem quais e porque é que só o Estado os pode proporcionar. Tudo o resto, mafiosice.