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Nada é tão ruim que não possa piorar.
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Com o passar dos anos, há certas coisas que me habituei a dar como certas em Portugal. A boa geografia, a boa mesa, as gentes generosas e a capacidade dos governos para complicarem o que é simples. E um bom exemplo desta última é a recente alteração à lei, que determina que o lucro obtido pela venda de um bem imobiliário será taxado da mesma forma para os residentes e os emigrantes.
À primeira vista, parece que finalmente o governo fez algo acertado, ou seja, tratar de forma igual todos os cidadãos. Porque por incrível que pareça, antes não era assim. Por exemplo, o Zé Toino vive em Leiria e o Toino Zé em Bruxelas. Se venderem um imóvel em Portugal e fizerem exactamente o mesmo lucro, o Zé Toino paga menos de imposto do que o Toino Zé. Porquê? Por sim. Porque se as regras fossem simples e claras não estaríamos a falar de Portugal.
O sistema era de tal forma absurdo que acabou frequentemente na barra dos tribunais, que invariavelmente e sem qualquer margem para dúvida deram razão aos emigrantes. Pela simples razão que estavam a ser discriminados por não serem residentes, algo totalmente contrário às leis da União Europeia. Um sistema de tal forma absurdo que nos últimos tempos, os emigrantes primeiro pagavam o valor total, depois iam reclamar em tribunal. Uns bons largos meses depois, quando o caso finalmente iria a julgamento, o Estado admitia que estava em erro, pedia a anulação do caso e devolvia o imposto cobrado em excesso. Teria sido mais simples não cobrar a mais logo ao início, mas o Estado portguês é incapaz de comportar como uma pessoa de bem.
Mas então qual é o problema, se a lei foi alterada? O busílis da questão está em que a alteração trata todos por igual, esquecendo que existem diferenças mesmo assim entre emigrantes e residentes. Mas para o perceber, temos que dar um passo atrás. De uma forma muito simples, a mudança introduzida dá duas opções a quem lucra com a venda de um imóvel. Ou paga directamente 28% de imposto, ou metade do lucro é junto com os outros rendimentos, do trabalho por exemplo, e paga de acordo com o escalão de IRS para o total do rendimento. Visto que a taxa máxima de IRS ronda, por enquanto, os 40%, na práctica o valor de imposto que efectivamente se paga sobre o lucro será 20% ou menos. Não estranha portanto que o Estado não quisesse abrir esta opção para os emigrantes, iria perder dinheiro.
Mas o diabo está nos pormenores. Para poderem aceder a esta opção, os emigrantes têm que declarar os rendimentos que tiveram no estrangeiro, que note-se já foram taxados nos respectivos países, juntar tudinho e no final ver onde se aterra na tabela de IRS. E há logo dois problemas com isto. O primeiro é que, regra geral, no estrangeiro ganha-se mais do que em Portugal. Por alguma razão os emigrantes… emigraram. Logo ao obrigar a juntar todos os rendimentos,o Estado português quer aumentar, de forma perfeitamente artificial, o total do imposto a pagar.
O segundo problema diz respeito aos rendimentos individuais. Não existe cruzamento de dados entre as finanças lusitanas e os restantes países da União Europeia. Logo, nada impede os emigrantes de declarar zero em Portugal, e assim baixar o valor a pagar. Não corresponde à verdade, mas também não se percebe porque é que o Estado português quer fazer pagar mais quem emigrou e labuta para ter uma vida melhor.
Voltando ao nosso exemplo, suponhamos que o Zé Toino ganha o salário mínimo em Portugal e o Toino Zé o salário mínimo na Bélgica. São cerca de mil euros a mais no bolso do Toino Zé, mas ninguém dirá que é rico. Sim, ganha mais do que muito boa gente que vive em Portugal, mas também não vive em Portugal. Parece-me que o fisco luso está a fazer uso do argumento "se a minha avó tivesse rodas, seria um camião".
A forma mais simples de resolver este imbróglio seria pura e simplesmente cobrar um valor fixo, bastante mais baixo que os actuais 28%, a todos, estrangeiros e nacionais, residentes e não-residentes. Uma solução salomónica, que trata todos por igual sem excepção. Fizeste lucro, pagas imposto. Simples e claro, sem mas nem meio mas. Já a solução encontrada pelo fisco, na melhor das hipóteses pede aos emigrantes que entreguem declarações fiscais que não fazem sentido em Portugal. E na pior, incentiva os emigrantes a mentir. Nunca uma boa opção.