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A cidade dos arcebispos referve de património arquitetónico e artístico. Este texto versa sobre uma das joias do seu escrínio, o complexo formado pela Capela da Imaculada e pela Capela Cheia de Graça.
Sita no Seminário Menor de Braga e construída nos anos quarenta do século xx, a Capela da Imaculada foi alvo de reforma durante a segunda década do século xxɪ. No âmbito dos trabalhos de modernização, que obedeceram a traço lapisado pela equipa do gabinete Cerejeira Fontes Arquitetos, foi erguida, dentro da Capela da Imaculada e à imagem de um coro alto, a Capela Cheia de Graça, feita de madeira.
O conjunto logo me cativou. Quis o bendito acaso que ali tivesse encontrado um sacerdote, Jorge de sua graça, que me fez compreender simbologias e figurações — o deleite para o espírito excedeu então tudo o que poderia supor.
A Capela Cheia de Graça, reservada ao uso dos seminaristas, pode ser vista como uma capela‑útero (dentro do corpo de uma igreja‑mãe, a Capela da Imaculada) na qual se desenvolvem vocações.
Transposta a porta de acesso à Capela da Imaculada, damos por nós nos baixos da Capela Cheia de Graça; aí, os esteios de madeira evocam a floresta e o dessistema em que ela se apresenta. Somos chamados a fixar a atenção em algum ponto: no pilar de pedra que serve de pé ao altar da Capela Cheia de Graça está esculpida uma orelha, que, com a cadeira existente no local, define aquele lugar como posto de escuta e de diálogo com Cristo.
Depois, à medida que nos adentramos na Capela da Imaculada, vamos subindo. Porque o ádito ao transcendente implica esforço, o piso tem inclinação.
A fim de facilitar o ligame entre os fiéis, os bancos da Capela da Imaculada foram dispostos em U, escapam ao formato habitual nos templos católicos. Disse‑me o padre Jorge que assim se transmite a ideia de que o coletivo não aniquila a individualidade. Sabê‑lo foi música para os meus ouvidos. Valorizo a escolha singular e a autodeterminação, tenho horror a fés, grémios e associações que em absoluto subordinam a pessoa ao grupo.
Num dos bancos há uma estátua de madeira de tília que representa, sentada, Nossa Senhora da Humildade. Eis a imagem de uma mulher comum, com puxo, de uma mulher do povo com a qual interage o povo que se senta nesse e noutros bancos. Cabida é, pois, a colocação da coroa de rainha nas mãos — não na cabeça — da Nossa Senhora. Adrede se deixa a estátua mostrar imperfeições decorrentes da passagem do tempo. Não é isso que acontece no corpo das mulheres, de todos os humanos!?
O ambão é uma peça que, pelas suas caraterísticas — objeto simples, de ferro — e localização na nave, promove a centralidade do verbo e entrega o realce à palavra bíblica. Outrossim, há uma lamparina ao pé do sacrário e outra junto da Bíblia, desse jeito se reiterando o subido valor não apenas do pão, mas também da palavra.
No altar, o granito negro é pedra que se deitou fora, que não serviu para outros fins. O paralelismo facilmente se estabelece: Cristo foi rejeitado. E, como na Bíblia, a pedra recusada devém, afinal, a mais importante.
Com gosto assistiria a missa na Capela da Imaculada, obra que integra um conjunto bonito e capaz de instigar o espírito. Esperaria, porém, uma homilia que, à maneira do arreio da capela, se acadimasse à época atual. Aguardo sempre com expetativa essa parte do ofício divino e já me vai faltando paciência para sermões que são pouco mais do que séries de platitudes e de lugares‑comuns, maçadores e distantes da vida.
Antes de sair do Seminário Menor, despedi‑me, na repartição administrativa, da funcionária que me tinha acolhido e mostrado o caminho que leva às capelas. De novo, foi simpaticíssima. Como já o havia sido muita gente em Braga e noutras terras de Portugal. É inegável: vivo em Bruxelas por causa do meu emprego, da Jūratė e do multiculturalismo, não pelas virtudes do trato que recebo dos bruxellois.