Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
À memória de Maximiana e Eduardo Carneiro,
Pais e avós de gente boa.
Curvas ásperas, pneus chiantes, abrasador sol a subir a serra. Logo após mais uma dobra, a escaldante rampa em cimento contígua ao restaurante. Estacionei mesmo defronte da porta, a menos de um metro desta.
De Faro à serra, a viagem decorrera silenciosa. O ainda verde arvoredo do Barrocal dera lugar ao torneado ralo e amarelecido das silvas e arbustos das colinas. No zénite do dia e do Verão, a Ria Formosa, em horizonte de frescura, ia-se alargando e escapando.
No pátio exterior, mesas dispersas acomodavam solitários leitores de imprensa desportiva e alguns murmurantes casais, em pachorrenta digestão. Alguns, visivelmente, de origem forasteira, degustavam sem fervor whiskies e águas minerais.
Estacionei o mais possível em cima da porta principal.
- Não se respeita quem está aqui! Não vê que o seu carro incomoda quem está nestas mesas em sossego, havendo outros lugares ali a dez metros? – disse a inglesa mais velha, de uns setenta e tal, furibunda, em crescente tom ameaçador.
Preocupado com a minha tarefa e, por inútil, reservo-me. Abro a porta do outro lado do condutor e ajudo o meu Pai, a quem uma trombose primeira, lhe retirou capacidades motoras, a segunda, mais tarde, não perdoaria. Entro com ele no restaurante, apoiado no meu ombro, ofegante e dorido, e sento-o na mesa previamente reservada pela patroa da casa.
Rapidamente, volto lá fora. Na mesa, a escassos centímetros do para-choques do meu jeep, a inglesa tinha-se acalmado e calado.
Lesto, abro a porta de trás e, à força de braços, como se fora um bebé, soergo a minha Mãe e transporto-a a custo para dentro, sentando-a na mesa, defronte de meu Pai. Pálida, febril, resistia com garra à doença que se adivinhava prestes fatal.
De pé, respiro fundo, numa mão, a chaves do carro, na outra, o lenço com que secava o suor da testa e pescoço.
Pela porta, decidida e de mãos na cara, a loira inglesa contestante, em restaurante silencioso, expectante e tenso, chega-se a mim, abraça-me com força, emocionada, tremente, lavada em lágrimas fartas, e titubeia:
- Perdão! Perdão! Perdão!
De novo por inútil, reservo-me.
Meus Pais ficaram mais bonitos naquele momento.
Algarve, 9 de Agosto de 2015
Ligure
Nota:
Em vários encontros de Estio, no Algarve, onde ele vive, o meu amigo Joaquim Carneiro repetia-me esta história passada com ele.
Falecidos os Pais, com o inexorável tempo a correr, observei-lhe que o fundo instrutivo da cena merecia letra de forma.
Ofereci-me (impus-me!) e ofereci-a, tal e qual, à família à qual me unem estreitos e antigos laços de amizade.
Saiu assim, longe da cativante e emotiva versão oral do meu querido amigo.