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“Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado!
Domingo! Vai a malta passear
Sete dias na semana, e um só p'ra descansar
Sete dias na semana, e um só p'ra descansar”
Refrão de Domingo, pelo Conjunto António Mafra
O actual Governo português decidiu estudar a semana de quatro dias de trabalho. E não é preciso ser bom aluno para se perceber o que daqui vai resultar. Meia-dúzia de tachos para alguns amigos “estudarem a coisa”, e no final um relatório esquecido na gaveta do ministro. Pelo caminho o Governo aparece na televisão a fazer uma figura bonita, mas pormenor importante, sem realmente fazer nada na prática. Comme d’habitude.
A ideia de encurtar a semana de trabalho tem estado na agenda mediática. Há uns meses atrás, a Bélgica permitiu que as 40 horas semanais sejam feitas em quatro dias, em vez dos típicos cinco. A notícia correu mundo, embora tenha sido frequente o erro de que a Bélgica iria reduzir a semana de trabalho. Independentemente da forma como tem sido anunciado, o facto é que o número de horas de trabalho tem vindo a reduzir na Europa. E isto sem perda de rendimentos. Para continuar com o exemplo belga, desde 2003 que o horário legal são 38 horas por semana e o que seja feito a mais são consideradas horas extra. A forma de compensação varia de empresa para empresa. Típicamente o extra é pago com dias de férias, mas também já trabalhei numa empresa onde se saia mais cedo à sexta.
Se conseguimos reduzir o horário semanal em duas horas, até onde é possível ir ? Poderíamos ter uma semana de trabalho de 4 dias ? Na minha área de trabalho, tecnologias de informação, é algo que se está a tornar comum. Algumas empresas permitem 32 horas por semana com um corte no salário, mas a maioria oferece o salário completo. Em parte, a motivação é obviamente atrair trabalhadores altamente qualificados e não filantropia por parte dos empregadores. Neste caso, a semana de 4 dias funciona porque a malta dos computadores é obcecada por optimizar, automatizar e simplificar tudo quanto seja tarefa. Dito de outra forma, o objectivo primordial das empresas de tecnologias de informação é fazer mais com menos. Sempre. A esta insistência na produtividade, junta-se uma falta de mão-de-obra qualificada e assim é possível que nós, malta que faz software, tenhamos benefícios que os trabalhadores em noutras actividades económicas só podem sonhar.
Mas seria possível reduzir a semana de trabalho para todos ? Tal como foi feito com a redução das 40 horas para 38 horas por semana, por mero decreto do governo ? É essa a discussão que se vem fazendo de há alguns meses para cá e que o governo português agora decidiu fingir estudar. Tal como o Rendimento Básico Universal, a proposta da semana de 4 dias polarizou ferozmente a discussão entre quem apoia e quem é contra, sem nenhuma possibilidade de acordo à vista. Talvez seja por isso que o governo português tenta agradar a gregos e troianos, por um lado diz que vai estudar a proposta e por outro nada faz.
O principal argumento contra a semana de 4 dias é que a economia não funciona por decreto, por muito que custe aos políticos mais radicais, à esquerda e à direita. Não basta querer uma semana de trabalho reduzida, é necessário trabalhar o suficiente nos outros dias para se poder gozar um fim-de-semana prolongado. Já diz o povo, quem não trabuca, não manduca. No entanto, nada impede um governo de guiar a sociedade para um futuro com uma semana de trabalho mais reduzida. Ou seja, que o governo em conjunto com os sindicatos e as empresas, estabeleça um calendário para que daqui a cinco, dez anos a semana de 4 dias seja uma realidade consumada, sem a necessidade de masturbações legislativas saídas do gabinete de um qualquer ministro.
Porque se conseguirmos, como sociedade, trabalhar menos um dia por semana isso significa que estamos mais produtivos. Fazemos mais, e melhor, com menos. E esse sim, é um objectivo que vale a pena atingir. Aliás, foi exactamente por causa de aumentos de produtividade que se chegou à semana de 5 dias. Originalmente havia apenas um dia de descanso por semana, por motivos religiosos. Até que no início do século passado, algumas empresas extremamente produtivas nos EUA começaram a fechar dois dias da semana, notavelmente entre elas a Ford. E daqui foi um passinho até a institucionalização do fim-de-semana de dois dias, primeiro nos EUA, depois na Europa e finalmente no resto do mundo.
Um outro argumento apresentado contra a imposição legal da semana dos 4 dias, é que nada impede as empresas de reduzirem o horário de trabalho e manterem o salário na totalidade. Embora correcto, este argumento ignora que se não fossem as greves organizadas pelos sindicatos do passado, hoje não teríamos férias pagas, baixas médicas e outros direitos que vemos como perfeitamente normais. Foi exactamente através da negociação colectiva e da coerção exercida por governos eleitos democraticamente, que os trabalhadores alcançaram o que têm hoje. Se não fosse assim estaríamos divididos numa pequena minoria que tudo teria, e uma imensa massa de gente que sobreviveria com as migalhas que caem da mesa dos ricos.
É um equilíbrio difícil, legislar no sentido de beneficiar os trabalhadores em prejuízo dos lucros das empresas. Alguma desigualdade é normal, e até mesmo saudável, mas em demasia corrói a sociedade e torna-a disfuncional.