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2020 foi, no seu todo, um ano horribilis, que terminara com uma réstia de esperança num amanhã melhor. A chegada das primeiras vacinas no final de 2020 abriu uma nova fase na luta contra uma pandemia que parou o mundo durante vários meses e que obrigou a questionar, de certa forma, o nosso modelo de desenvolvimento.
Se este feito científico notável congrega em si o melhor do que somos capazes de realizar enquanto Humanidade quando coordenamos esforços, 2021 chegou para relembrar-nos que a linha que separa o nosso melhor do nosso pior é ténue e frágil.
2021 foi, de facto, um ano de transição, atípico e repleto de contradições. A eleição de Joe Biden para a liderança dos EUA devolveu alguma esperança na possibilidade de reatar um diálogo construtivo com a administração americana após quatro anos de desgoverno do inenarrável Trump. No entanto, o impensável assalto ao Capitólio, em janeiro de 2021, sob o falso argumento de manipulação dos resultados eleitorais, mostrou que a suposta maior democracia do mundo estava ferida nos seus valores mais profundos. O estrago que Trump e os seus grupos de apoiantes fanáticos, com a ajuda das redes sociais, fizeram à democracia americana levará muito mais tempo a sarar do que muitos inicialmente imaginaram.
Na frente do combate à pandemia, o esforço de coordenação e solidariedade depressa se transformou numa guerra geopolítica e protecionista entre os EUA, a UE, o Reino Unido e a Rússia. Depois da diplomacia das máscaras liderada pela China, o mundo esteve durante semanas a assistir a uma competição desenfreada pelas vacinas que colocou em cheque alguns dos valores morais que o ocidente tanto gosta de apregoar. Neste xadrez de tensões políticas, a Europa conseguiu, no entanto, e apesar de serem necessários mais esforços, liderar um compromisso de solidariedade, sendo hoje a maior doadora de vacinas no contexto do programa COVAX.
A luta contra a pandemia, tal como já havia acontecido no assalto ao Capitólio, teve, também ela, de se confrontar com a manipulação de informação e partilha de teorias da conspiração em várias redes sociais, estimulando uma crescente desconfiança de uma parte da população nos efeitos positivos das vacinas. Ainda hoje continuamos a assistir a manifestações e tensões que colocam frente-a-frente vacinados e não-vacinados, comprometendo a paz social em muitos países.
Na frente internacional, as tensões com a Rússia continuaram a aprofundar-se, especialmente após o desvio do voo da Ryanair pelo governo fantoche da Bielorússia. De igual forma, as últimas declarações de Putin sobre a Ucrânia não deixam a comunidade internacional descansada. A recente tensão na fronteira entre a Polónia e a Bielorússia veio relembrar à UE da necessidade urgente de reforçar a sua componente de defesa, algo que deverá ser uma prioridade da Presidência francesa do Conselho da UE, a partir de janeiro de 2022, no seguimento da aprovação da Bússola Estratégica em matéria de Segurança e Defesa.
A retirada catastrófica das tropas americanas do Afeganistão pôs a nu, 20 anos depois, o fracasso de uma guerra perdida há muito e cujo propósito assentou em várias falácias. As terríveis imagens do aeroporto de Cabul, e do regresso dos Talibãs ao poder deixaram grande parte do mundo incrédulo, confirmando-se o já acelerado declínio americano e a consolidação de um mundo uni-multipolar.
Também a Guerra entre Israel e o Hamas, que surgiu no seguimento de manifestação em apoio às famílias palestinas ameaçadas de despejo em favor de colonos judeus, veio acordar o mundo para um conflito que parecia já estar esquecido e que continua sem qualquer tipo de solução à vista...
No campo das lideranças políticas e para além da transição Trump-Biden, merece destaque o fim da era Merkel. Após 16 anos de poder, Merkel – um seguro de estabilidade no continente europeu – deixa a chancelaria a Olaf Sholz, um social democrata que promete voltar a apostar no investimento público como forma de assegurar a tão necessária modernização da Alemanha em vários setores como os transportes, o digital e a transição climática. De Merkel, e para além da estabilidade (estagnação?) política, ficará sobretudo a memória da austeridade fanática imposta aos países do sul durante a crise financeira; o apoio indireto de anos, através do seu grupo político europeu do PPE, ao governo do iliberal Orban e a construção do polémico gasoduto NordStream 2 com a Rússia que coloca a UE toda numa posição delicada em momentos de confronto com os russos. Entre o seguimento de uma estratégia de realpolitik pura e dura e as inúmeras indecisões em dossiês determinantes não faço, como outros, um balanço positivo dos 16 anos de Merkel. Medíocre parece ser, a meu ver, a classificação mais fidedigna.
2022 perspetiva-se como um ano que poderá esclarecer – para o bem ou para o mal – um conjunto de sinais contraditórios que 2021 veio lançar. Que gestão farão os governos da evolução da pandemia, que entrará no seu terceiro ano e transformar-se-á, possivelmente, numa fase endémica? Como se desenvolverão as tensões com a Rússia? Conseguirá Macron ser eleito para um segundo mandato e como ficará o panorama político francês que se vê confrontado, hoje, com dois candidatos de extrema direita e uma esquerda desorganizada e desnorteada? Será 2022 o ano de regresso de Lula à frente dos destinos do Brasil? Que iniciativas tomará a China face a Hong Kong e Taiwan? E em Portugal, conseguirá António Costa ser reeleito em janeiro de 2022? E caso volte a chefiar o governo português, com que maioria poderá governar?
O próximo ano reserva-nos um conjunto de momentos cruciais para o futuro de todos nós. Faço votos para que a luz possa vencer as trevas permitindo à Humanidade olhar para o futuro com entusiasmo, na perspetiva de construir um novo ciclo de prosperidade, de tolerância, de promoção da igualdade e estabilidade.
Aproveito para desejar a todos os leitores boas festas com votos de um próspero e menos turbulento 2022!