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Give me your tired, your poor,
Your huddled masses yearning to breathe free,
The wretched refuse of your teeming shore.
Emma Lazarus
Conheci-o de raspão há dias quando, eu de passagem fugaz por Lisboa, estávamos os dois à espera de embarcar para Bruxelas. O Josué é um jovem de 40 anos que fugiu da pobreza da sua terra natal em África, e veio para Portugal para prosseguir os estudos. Com ele vieram as duas filhas pequeninas e a esperança de lhes proporcionar uma vida melhor. Na sua terra, era professor universitário, já em Portugal trabalhou como taxista para pagar as contas e o mestrado em Gestão e Economia.
Findo o mestrado, está a planear o futuro. Voltar para casa está fora de questão. Ganha bem mais como taxista em Lisboa do que a ensinar na universidade lá no seu país. As filhas estão bem integradas, e logo que consiga amealhar mais uns cobres vai poder trazer a esposa que ficou para trás. Assim, por agora o plano parece ser aproveitar o que aprendeu no mestrado e montar um negócio, exportando adubos da Europa para África. Foi isso que o trouxe aqui para os nossos lados, visto a Bélgica e a Holanda serem grandes fabricantes de fertilizantes.
Esta historieta, em que apenas alterei o nome, pode ser que lhe pareça um bocado banal e batida. O emigrante que chega descalço e enroupado em trapos, mas que com o seu suor e trabalho consegue uma vida melhor. Todos nós conhecemos casos semelhantes, e certamente alguns dentre nós tiveram mesmo o papel principal numa história destas. Mas o que me ficou deste encontro foi que esta história se passa no Portugal dos nossos dias. Não na Bélgica, na Holanda ou em qualquer outro país rico da Europa do Norte. Ou seja, Portugal pode ser, e felizmente ainda é em alguns casos, o porto de abrigo que oferece a esperança de uma vida melhor a quem teve o azar de nascer na geografia errada.
As más-línguas dirão que é um caso isolado, que uma andorinha não faz a Primavera. Que os compatriotas do Josué preferem todos emigrar para a Europa do Norte em vez de ir para Portugal. Ou ainda que por cada emigrante bem sucedido em Portugal, temos centenas de portugueses que emigram pelas mesmas razões. Terão a sua quota parte de razão, mas isso não invalida que Portugal ainda consegue um ponto de partida para uma vida melhor.
Isto é difícil de aceitar, em especial por parte de quem como eu abalou de Portugal com malas e família, porque o desemprego não põe comida na mesa, não paga a conta da luz nem enche o depósito do carro. Não saí zangado com o país, se bem que me irrita solenemente os sucessivos maus governos que, parafraseando Camões, fazem fraca a forte gente. E também não saí com mágoa nem triste. Pior que isso, saí resignado com a falta de futuro e de oportunidades que na altura escasseavam em Portugal. E a julgar pelos números da emigração, a situação parece não se ter alterado desde que eu me vim embora, já lá vai mais de uma década.
Mas a esperança existe, ténue é certo, mas existe como a experiência do Josué demonstra. Como bem realçou o Guilherme Oliveira, Portugal não é assim tão mau e no geral as coisas até funcionam. E se eu por vezes me irrito com a modorra lusitana, é porque sei que o país e as pessoas não só merecem melhor, como são capazes de melhor. É por nos preocuparmos com o jardim à beira-mar, que as imperfeições, pequenas quando comparadas com outros países, nos parecem tão importantes. No fundo somos como o adepto da equipa que não consegue passar nos quartos de final na Champions, furiosos com o treinador e esquecendo que a equipa chegou aos quartos de final da Champions.
Mas sobretudo, que o esforço de tornar Portugal um país melhor não é benéfico apenas para os dez milhões de portugueses. Tem também um impacto positivo nos pobres, cansados e descamisados de outros países do mundo, a começar pelos com que partilhamos uma língua e uma história. E, se nós e os nossos filhos tiverem para isso a arte e o engenho, quem sabe um dia a Torre de Belém não venha a ter a mesma importância simbólica da Estátua da Liberdade em Nova York. Um símbolo de esperança numa vida melhor.