
Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Na semana que se seguiu à Páscoa, aproveitando as férias escolares e o fim não oficial da pandemia, fui com a família até à Hungria a convite de um casal húngaro que conhecemos em Bruxelas. Esta cidade pode não ter a luz de Lisboa, mas tem uma comunidade internacional onde a Europa se conhece e dá a conhecer.
O casal húngaro nunca visitou Portugal, e quando estávamos em Budapeste a comparação com a capital portuguesa foi tema inevitável de conversa. Os nossos amigos ficaram um pouco espantados quando lhes expliquei que o traço típico de Lisboa são os prédios pequenos e as ruelas tortuosas. A baixa pombalina destaca-se pelo desenho geométrico, pouco comum na época, e não pelos edifícios imponentes. Mesmo as avenidas novas, largas e compridas, foram até recentemente ladeadas por mansões senhoriais e não por prédios enormes. No fundo, a Lisboa típica é uma aldeia, igual a tantas outras que se encontram por esse Portugal fora. Algumas são grandes o suficiente para serem chamadas de vila ou mesmo cidade, mas o traço urbano não desmente o toque inconfundível da aldeia.
Por comparação, e para quem não conhece, Budapeste tem um ar imponente e Haussmaniano, tal qual Paris. E tal qual Paris, a cidade que os turistas visitam é sobretudo resultado dos finais do século XIX. Quem não conhece Paris, o meu conselho é que visite primeiro Budapeste. Curiosamente, Budapeste também teve o seu Haussman, um importante arquitecto contemporâneo do barão parisiense e com um nome semelhante, Alajos Hauszman.
Esta ‘pequenez’ de Lisboa face a Budapeste tem uma explicação óbvia, a orografia alfacinha. Encavalitada num vale que deságua no Tejo, a Lisboa das sete colinas não é o sítio indicado para construir avenidas hausmanianas. Ao contrário de Budapeste, e em particular o lado de Peste, a planície húngara tem largueza suficiente para esse tipo de construções. Mas há também uma explicação económica. No final do século XIX, Budapeste estava integrada num enorme e vibrante império multi-étnico, composto por boa parte da Europa de Leste. Enquanto em Lisboa alguns intelectuais organizaram as Conferências do Casino para compreender as causas da decadência lusitana, Budapeste fervilhava com a actividade e prosperidade que produziu os locais que hoje os turistas visitam. Desde a imponente sinagoga, a segunda maior do mundo, até à primeira linha de metro na Europa Continental e ao edifício do parlamento, a Budapeste de finais de 1800 metia Lisboa no bolso.
Se eu fosse dado a generalizações, continuaria afirmando que Portugal é caracterizado por uma pequenez de espírito. Mas não sou, e de qualquer forma não é verdade que os portugueses sejam pequenos de espírito. De pequeno, a única coisa que a generalidade dos portugueses têm é a conta bancária. Agora e antigamente, pois a divergência portuguesa dos padrões de riqueza europeus não é de agora. Os governos liberais do século XIX não só não foram capazes de corrigir um atraso de séculos, como foram aumentando a dívida do país até à bancarrota de 1892. E sem dinheiro, não se constroem cidades imponentes.
Mas na origem da confusão dos nossos amigos magiares poderá estar os percursos históricos dos dois países. A história recente da Hungria começa com o fim da Primeira Guerra Mundial. O império austro-hungaro, um dos principais derrotados, desabou e fragmentou-se em várias nacionalidades. A Hungria perdeu enormes partes do seu território e boa parte da população húngara tornou-se uma minoria nos novos países. Até à Segunda Guerral, estes novos países preocuparam-se mais com limpezas étnicas das minorias locais do que com as suas economias. Depois veio a a Segunda Guerra Mundial, com o desastre de vidas e destruição que conhecemos, e cereja no topo do bolo a metade leste da Europa foi “libertada” pelos soviéticos. Em Budapeste, o que não foi bombardeado pelos aliados em 44/45, o regime comunista encarregou-se de destruir. Seguiu-se uma falhada revolta húngara em 1956 contra o poder soviético, e depois alguma relativa liberdade económica e social do regime comunista local até à queda do muro de Berlim. Mas mesmo assim, a Hungria não foi capaz de recuperar os anos dourados dos finais do império Austro-Húngaro.
Por contraste, Portugal no mesmo período não conheceu nenhuma guerra em território nacional. É certo que quando Budapeste florescia, o ouro do Brasil já só era uma lembrança e das colónias africanas a única coisa que vinha era prejuízo para o governo de Lisboa. Mas enquanto a Europa nesta época crescia e se enriquecia, Portugal continuou pobre, rural e analfabeto até ao início dos anos 60 do século passado. Assim não espanta que tenhamos sido um país dos pequenitos.
E a julgar pelas recentes afirmações de António Costa, vamos continuar. O primeiro-ministro que dizem ter virado a página da austeridade e revertido as patifarias da Troika, descobriu que mesmo após 7 anos de sol socialista “persistem intoleráveis níveis de pobreza laboral”. E olhando para a tendência das duas últimas décadas, em que os portugueses vão ficando cada vez mais pobres em relação à Europa, o que podemos concluir é que parecermos não sermos capazes de sair da cepa torta. Ao menos temos umas cidades pitorescas, solzinho, praia e umas alegrias da bola de vez em quando. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.