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“O termómetro regista pouco mais que um par de graus celsius abaixo de 0, mas o típico vento forte nesta região do Atlântico, aliado aos constantes salpicos de água que invadem o convés, leva a que aparente estar muito pior. Pescar tão a norte nunca é fácil, e o frio não é o maior inimigo desta tripulação, porém a perspetiva de trazer para terra uma quantidade considerável do tão ansiado bacalhau faz com que os pescadores britânicos ignorem os riscos de se aproximarem tanto da costa. Afinal de contas o pescado sempre foi muito apreciado pelos seus compatriotas e esta espécie em particular garante o lucro necessário para os homens sobreviverem durante o resto do ano.
Nos últimos 400 anos navegar nas águas ricas e distantes da Islândia tornou-se uma tradição das comunidades pesqueiras no Reino Unido e, à parte de uma série de atritos entre a antiga Coroa inglesa e o Reino da Dinamarca (anterior detentor da ilha), a atividade tem-se mantido sem conflitos de maior. Contudo, esta maré de sorte parece estar prestes a mudar: a recém-independente nação islandesa tem como um dos principais objetivos assegurar a exclusividade do que é retirado dos seus mares e não olha a meios para chegar a este fim. Um aumento inicial das águas territoriais de 6 para 7 quilómetros, em 1952, causou indignação em Downing Street, que baniu todo o bacalhau importado deste mercado, numa situação que só se resolveu com a intervenção dos EUA e da URSS. 6 anos depois, os islandeses decidiram aumentar novamente esta fronteira, desta vez para 22 quilómetros, uma ação que teve como resposta a mobilização da marinha britânica para defender os interesses piscatórios do seu país.
Alheios ao frente a frente geopolítico, esta meia dezena de pescadores conduz a traineira à medida que manobra as artes de pesca para capturar o maior número de exemplares sem atrair atenções indesejadas. Mas a janela temporal é demasiado curta e a embarcação é rapidamente detetada pela guarda costeira dos nórdicos que lança um dos poucos navios ao seu dispor para travar a pesca ilegal. Inicia-se uma perseguição que, pautada por disparos de artilharia, se arrasta por vários quilómetros e, no momento em que os pescadores começam a imaginar o pior dos cenários, o vislumbre da ‘Union Jack’ hasteada numa fragata desmoraliza os islandeses, que na iminência de um conflito direto preferem optar pela retirada.”
Esta foi a fase inicial de uma disputa entre o Reino Unido e a Islândia que se prolongou por 18 anos e cuja base assenta no direito dos dois países sobre o bacalhau pescado ao largo da zona costeira. O choque entre as nações insulares dividiu-se em três momentos essenciais que ficaram popularmente conhecidos pelas Guerras do Bacalhau, e, para além de uma série de derrotas humilhantes para o governo do Reino Unido, é lembrado como um dos conflitos piscatórios mais intensos de sempre. Os anos passaram e embates desta natureza continuam a surgir, mas com cada vez mais regularidade. Podemos argumentar que é um resultado da contínua globalização e dos acordos e intrigas internacionais cada vez mais comuns, mas cingir a lista de razões a questões políticas seria menosprezar a gravidade do problema.
O aquecimento das águas oceânicas, derivado da emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera, força a migração de peixes para locais com condições adequadas e, em 2007, uma mudança abrupta na distribuição dos cardumes de cavala desencadeou uma disputa entre vários estados europeus sobre o direito de pesca sobre a espécie, naquele que é por muitos considerado o primeiro conflito deste género provocado pelas alterações climáticas. Porém, a maior ameaça à atividade piscatória continua a ser a sobrepesca. Foi esta que inflamou problemas no mar do sul da China, que teve um papel fundamental na vaga de refugiados do Senegal e, agora, alastra a sua influência à Europa que, segundo o mais recente relatório do Tribunal de Contas Europeu, não está a fazer o suficiente para mitigar as consequências desta pressão excessiva. Em breve, a renovação da biodiversidade não acompanhará a exploração do mercado europeu e começaremos a colocar espécies perigosamente perto do limiar da extinção.
Ao contrário de outras questões ambientais, os efeitos no pescado podem revelar-se num curto espaço de tempo e, por isso, o período de resposta é igualmente breve. Fechar os olhos aos danos causados, definir quotas acima do que é viável e continuar esta procura cega pelo lucro imediato não só é abrir caminho para novas Guerras do Bacalhau, como também é correr o risco de deixar de ter a presença deste e de outros peixes nas nossas mesas durante épocas como o Natal e, consequentemente, pôr em causa milhares de empregos no setor das pescas.