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1. A aldeia de Idanha‑a‑Velha assenta sobre as ruínas de uma localidade romana que terá sido fundada no século ɪ a. C. Logrou estatuto de município na centúria seguinte, desenvolveu‑se no século ɪɪ. Subordinada a império suevo e visigótico, os mouros tomaram-na no século vɪɪɪ. Permanece por esclarecer muito do que se passou no curso do período correspondente ao domínio muçulmano, mas é certo que, apesar das refregas, os costumes locais conviveram com a cultura mourisca. Só D. Sancho II conseguiu trazer definitivamente a cidade para o orbe da coroa portuguesa. Várias vezes entregue aos templários, passou, no século xɪv, para a tutela da Ordem de Cristo. Foi perdendo importância e, no século xvɪɪɪ, ficou privada do título de cidade.
Hoje, a estação arqueológica comora com estabelecimentos comerciais e com um casario onde vivem, sobretudo, velhos. Aqueles com quem conversei recordam‑se da presença alegre de catraios nas ruas e dos bailes no largo da igreja, mas também da vida dura ao serviço de terratenentes — falhos de coração, alguns deles — que lhes pagavam com trigo, morada e dinheiro. Orgulho em viver paredes‑meias com edifícios históricos? Sim, mas esbatido ante preocupações com a carestia. Durante a manhã de agosto que passei em Idanha‑a‑Velha, vi uma dezena de turistas, todos nacionais. Apreciei o giro, mas lamentei que a Igreja Matriz e as capelas, à guarda da diocese, estivessem fechadas.
A aldeia semelha um museu ao ar livre, o passeio nas suas ruelas deu‑me o maior dos prazeres. Esforçando‑me por particularizar, logo menciono o Arquivo Epigráfico, que apresenta uma bela coleção de pedras achadas na zona, com inscrições de cariz mortuário, votivo e honorífico. Saliento a estela que Amena, filha de Bôucio, encomendou em honra do pai, e a placa marmórea do monumento funerário de Caio Cúrio Firmano e da mulher, Cúria Vital (feita a mando desta, que não se esqueceu de, na epígrafe, qualificar de optimo o seu consorte).
No antigo lagar de azeite, construído provavelmente no século xɪx, só pude entrar na sala onde fica o pio, aparelhado com três galgas de granito. Encontrei encerrado o compartimento que me intrigava e que tinha intelectualizado, a sala das varas. Estas são troncos de árvores, que ainda mantêm a raizeira, presos a uma parede. As varas atuavam como prensa e serviam para espremer a azeitona moída.
O templo conhecido como Igreja de Santa Maria ou Sé Catedral é o resultado de obras e edificações de períodos diversos. No início, ali existiu uma igreja paleocristã de planta retangular. No século vɪ, ela deu lugar a uma basílica visigótica. Posteriormente reformada, a sua feição presente vem, em grande parcela, do reinado de D. Manuel I. O meu olhar amador achou graça à parte externa da igreja e demorou‑se defronte de um portal inscrito em gablete e enfeitado, no tímpano, com baixos‑relevos que representam um crucifixo, a esfera armilar e as armas reais. Todavia, no interior, ele só apreciou a pintura mural, do século xvɪ, onde se vê São Bartolomeu com o Diabo agrilhoado aos seus pés.
Em Idanha‑a‑Velha, aprendi história e fiquei a saber mais acerca do processo de produção do azeite. Além disso, enriqueci o meu conhecimento em matéria de calão. Cruzei‑me várias vezes com dois casais. Graças ao elemento feminino que integrava um deles, conheci a expressão «papar nas orelhas» (significa «ser sovado», «levar no focinho»). Por coincidência, dois dias depois, no restaurante Baroa, em Idanha‑a‑Nova, ouvi a mesma expressão. Já a outra dama falou de «uma puta de uma varanda», imagino que aludisse às dimensões avantajadas da mesma.
2. Parei em Medelim com o intuito de ver casas com balcões, estruturas encimadas pela escadaria e pelo patamar de acesso às casas. Outrora, o espaço intestino do balcão servia para guardar animais.
O que vi não me entusiasmou. O balcão é indissociável do imóvel e foram poucas as composições de casa e balcão que me agradaram. O peso dos anos, o mau gosto ab origine, os guarda‑sóis, os aparelhos de ar condicionado e alguns artefactos decorativos cedo desviaram o meu olhar dos edifícios com balcão. Falha na estética o que sobeja em quantidade.
Entrei na Capela da Misericórdia, que tinha as portas abertas. Lá dentro, um grupo de pessoas, liderado por Ana Fonseca, provedora da Santa Casa da Misericórdia de Medelim, desdobrava‑se em tarefas de limpeza. Ana deu‑me informações sobre a capela e apontou para uma manta de Castelo Branco à qual faltava cor e fartura decorativa. Justificou‑o, adiantando que a usavam para cobrir esquifes. A parte mais interessante da conversa versou, porém, sobre as atividades da instituição que dirige.
Na esplanada de um café, sentei‑me perto de dois casais, cada um com três filhos. No que toca à primeira parelha, a escolha do nome das crianças — Ivã, Íris e Miriã — foi coerente. Já quanto à segunda, algo não bate certo. Os miúdos são o Igor, a Irina e o Santiago, aqui indicados por ordem decrescente de idade. Que sucedeu antes de o Santiago nascer? Os pais regressaram do Leste Europeu? Passaram a ver outro género de telenovelas? Deram ouvidos a novos influenciadores? Adestraram o gosto?