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No epistolário entre os filósofos António Telmo e António Quadros publicado pela editora Labirinto de Letras em Dezembro de 2015, é mencionada Dalila Pereira da Costa (1918-2012), figura relevante da Filosofia Portuguesa e companheira de pensamento dos anteriormente mencionados. Numa nota, somos informados da sua estadia no Brasil e na Bélgica, entre os anos 59 e 65. A sua passagem pela Bélgica terá a ver com, como também ali é dito, «o seu cultivo da mística renano-flamenga», o que faz sentido. Formada em Histórico-Filosóficas, foi professora, poeta, filósofa, investigadora e ensaísta. A sua obra roda em torno do símbolo e do mito na cultura portuguesa, da hermenêutica de Pessoa e do esoterismo cristão temperado pelo ecumenismo. Os seus primeiros escritos são profundamente impressionados por uma experiência mística, contudo está também presente nos textos uma forte intelectualização do sentimento religioso.
Estar na Europa é também usufruir desta herança de pensadores que o passado une como uma rede que abrange vários séculos e vários países.
Heinrich Suso, que Dalila apreciaria, poeta lírico e místico, seguidor de outro que não lhe era estranho, mestre Eckart, se hoje é um ilustre quase desconhecido, teve uma obra muito popular no final da Idade Média. A religiosidade da época assim o incentivava. O nosso Frei Luís de Sousa, traduziu do Latim, em 1642, a Vida do Beato Henrique Suso. Têm sido muitos os que, ao longo da história da cultura humana se interessaram ou viveram na sua obra, o mistério e o insondável.
Também a Filosofia Portuguesa na sua relação íntima entre a razão e a poética, se debruçou sobre o mistério, embora, por causa da razão, não correndo o risco de se afundar em névoas tenebrosas. Não aconteceu, e os raros desvios que hoje se encontram, após a partida dos mestres que não se consideraram como tal, têm tudo a ver com fanatismo religioso e nada com filosofia. No caso do filósofo António Telmo (1927-2010), é muito claro, e cito palavras de um seu seguidor, Pedro Martins: «nunca o seu nacionalismo foi um nacionalismo político, naquele sentido nefasto que ensombrou o século XX e o mundo civilizado se encarregou de apostrofar». É importante estabelecer claramente estas distinções, porque, devido a desconhecimento, muitas vezes se confundem pensamentos, autores, filosofias. O misticismo como o de Dalila pode ser esclarecido, o racionalismo pode ser tão fanático como qualquer outra crença.
Conhecemos todos a beleza estética de alguns textos de místicos, e a cultura europeia, oriental, mundial, seria muito mais pobre sem eles.
Por isso aqui trago um belíssimo poema de Mestre Eckart, também considerado um sermão ou um tratado, “ Grão de Mostarda” (Granum Sinapis), na tradução de Jonas Samudio. Mas antes, para quem não conheça, uma breve citação para apresentação:
«O Mestre Eckhart – escreve Marco Vannini, o seu maior estudioso, na introdução do "Comentário à Sabedoria", contido no livro em que estão reunidos os Commenti all'antico Testamento (Ed. Bompiani, 1.548 páginas) – nunca pensou na mística, muito menos em ser um místico, onde por misticismo se entende uma experiência intuitiva, secreta do divino. O padre dominicano nascido por volta de 1260 na Turíngia, prior do convento de Erfurt, professor de teologia em Paris, processado por heresia em 1326, falecido presumivelmente em 1328, pensava que o único caminho possível do ser humano para a verdade que é Deus era o caminho da razão. A razão: o intelecto é o universal que está no ser humano; o Logos gerado de Deus que está no mundo e dentro de cada pessoa: de um pagão, assim como de um cristão, de um muçulmano, assim como de um judeu.»
(In: https://www.ihu.unisinos.br)
Aproximemo-nos então do interior do poema, já que o insondável que ele sabe que não consegue sondar, nos é interdito:
«V
Este bem deserto
o pé jamais pisa
o sentido criado
jamais o pega.
É, e ninguém ainda o sabe
aqui lá
longeperto
profundo alto
é assim
não isso não aquilo.»
Luso.eu | Jornal Notícias das Comunidades