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O Museu de Arte Antiga ali às Janelas Verdes (para quem está em Lisboa) completou este mês 137 anos. Não sei se o assunto ou o susto está superado, se vai ser resolvido, mas há bem pouco tempo ainda, éramos alertados para o estado de conservação deficiente das obras ali contidas, por problemas relacionados com o próprio estado de degradação do edifício. Não só deste, mas hoje é deste Palácio de Alvor-Pombal transformado oficialmente em 11 de Maio de 1884 no Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia que nos ocupamos, por causa dos pintores flamengos. O edifício poente, ou anexo, naturalmente conotado com o Estado Novo, até pelo seu estilo, para além da época em que foi construído, foi erigido sobre o Convento das Albertas com que o palácio confinava, deitado abaixo para esse fim.
Mas deixemo-nos de divagações, pois não é sobre isto que hoje quero falar, por isso entremos e dirijamo-nos directamente a uma determinada parte, o primeiro andar, onde podemos encontrar flamengos do século XVI. Em tempo de desconfinamento, os museus são lugares pacíficos, silenciosos e seguros que nos proporcionam um contacto poderoso e tranquilizador com o que de melhor os que nos antecederam foram dando de si, já para não falar da aliança que ao longo dos anos tem havido entre a arte e o comércio, bem como não é de hoje a transição dos artistas entre países. Os flamengos não são excepção, sendo o caso de Frei Carlos, nascido em Portugal, mas de ascendência flamenga, ou Francisco Henriques, vindo de Bruges por volta de 1500, e autor, entre outras obras, do Retábulo da Sé de Viseu.
Entre Maio e Setembro de 2013, de Jan Van Eyck (nascido em Maaseik, 1390 e falecido em Bruges, 1441) o quadro “Virgem e o Menino com Santa Bárbara, Santa Isabel da Hungria e um doador (Jan Vos)”, foi a obra convidada do Museu de Arte Antiga, ressaltando a revolução representada por este pintor e sua escola no que se refere à representação da realidade. Se quisermos, os “proto” precursores do realismo. Esta sua obra é pertença de “The Frick Collection” de Nova Yorque, e até 1954 tendo sido propriedade da família Rotschild. A propósito de procura de efeitos realistas, e se quisermos não menosprezar a relação entre forma e conteúdo, talvez não seja de desprezar o facto de ter sido na oficina de Van Eyck que se introduziram os óleos de noz e de linhaça de modo a melhor obter aquilo que o folheto da exposição designa como «uma maior subtileza na captação dos efeitos de luz e de gradação cromática e também para a obtenção de transparências que produziam um resultado final mais brilhante e luminoso.» E os pormenores: rostos, plantas, arquitectura, adereços.
E que mais realista poderíamos esperar do que a presença do doador, o patrono que custeou a obra, na própria pintura? Tem a acrescentar o mérito de, vendo-se em tão piedosa pose, poder vir, por mimetismo, a ser o que o olhar de pintor dá a parecer.
A actividade dos artistas foi estando, aliás, ao longo dos tempos, associada aos poderosos e actos políticos, como é o caso de uma outra obra deste precursor dos Primitivos Flamengos, que em 1428 esteve em Portugal para elaborar o retrato do casamento da filha de D. João I, Isabel.
Nem todos os artistas tiveram comércio com os poderosos, mas ao longo das épocas este foi o estado das coisas, não há que censurá-los, há que não demonizar as necessidades de sobrevivência. Os nossos presidentes da República continuam a ter o seu retrato feito por um grande artista. É a história e para a história. Tal como os pintores flamengos ficarão para sempre, felizmente, associados à nossa história, à nossa história da arte. Graças lhes sejam dadas.