
Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
O belga Wim Mertens é uma caso particular no panorama da música erudita, por apresentar características que dificilmente conseguimos classificar. Já esteve por mais do que uma vez em Portugal, mas nunca assisti a um concerto seu. Contudo, desde que se fez notar que passei a acompanhar a sua música com um misto de agrado e surpresa, pois aliava componentes como o piano e a voz de contratenor que sempre me seduziram. Sobretudo a voz, aliada a uma melodia encantatória, uma melopeia hipnótica a que alguns chamaram minimal repetitivo, mas que para mim nada tinha de minimal e muito menos de repetitivo, porque sentia na voz uma liberdade que estava muito para lá das características da repetição. Uma música inesperada cuja chegada, no entanto, senti como se estivesse à espera dela. Foi isto que sobretudo me atraiu, a voz, a mesma que no seu país começou por criar uma resistência que não encontrou em Portugal, nem em Itália, na Sicília ou em Espanha. Um compositor e intérprete nórdico acolhido no sul como se aqui pertencesse.
Antes de ter vindo cá em modo profissional para fazer concertos, meteu-se a caminho num dois cavalos e veio por aí fora, ainda em 75. Faz-me lembrar Truffaut, que em meados do século, nos anos 50, fez o mesmo com Rosselini: meteram-se num carro e por aí vieram à procura de Manoel de Oliveira, que acabaram por não encontrar.
Não sei bem o que buscava Wim Mertens em Portugal, mas adivinho que já antecipava o entusiasmo que aqui viria a encontrar pela sua música. Muito ao contrário do que fora vaticinado pela professora de piano, afirmando sobre ele que nunca viria a ser um virtuoso. Que não seguia o cânone era visível, pois ao contrário do que sempre se conheceu, nele é a mão esquerda que dita a melodia. Desconheço se fez escola, mas ao longo da história da música, pequenas e grandes revoluções foram acontecendo na relação com os instrumentos, como foi o caso do polegar, introduzido por Bach.
Tem uma formação superior rica e complexa, porque não apenas na área da musicologia, mas também das ciências sociais e políticas, o que introduz na sua música uma perspectiva não exclusivamente técnica e não exclusivamente artística, ou musical. Musicalmente, modela-o o facto de ser intérprete, compositor e ter passado por vários instrumentos. Em Portugal actuou na Casa da Música e no CCB, mas é nos CD’s que continuo a encontrá-lo. Sem desprimor para o concerto e o disco, o CD é uma das mais geniais invenções da modernidade. O dois cavalos é outra. Um dia ainda vou num dois cavalos à Bélgica para ouvir Wim Mertens ao vivo e trago de lá o último CD. Não que cá não haja, mas tem sempre outro sabor, o sítio onde se compra.