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Vota Tiririca! Pior que está não fica !
Votar é, diga-se francamente, uma chatice. Primeiro temos que gramar durante duas semanas, com políticos a prometerem-nos aquilo que não podem, e provavelmente não pretendem, cumprir. Depois, lá nos arrastamos para a cabine de voto, sabendo que o nosso voto conta pouco. E se tiver o azar de viver num dos distritos do interior, ou pior, se for emigrante, o método de Hondt garante que a escolha é entre o PS ou não votar. Isto claro, se os votos sequer chegarem a ser contados, porque enquanto não se alterarem leis atamancadas, feitas em cima do joelho, a experiência das duas últimas eleições pelo círculo da Europa vai ser para repetir.
É verdade que a democracia é mesmo o pior sistema, se excluirmos todos os outros. Mas será que é possível uma democracia sem eleições ?
Antes demais, é necessário precisar que não as eleições o que define uma democracia. Se para se ser uma democracia bastasse have eleições, o Estado Novo teria sido exemplar. Durante este período, com a precisão de um relógio suiço, todos os quatro anos havia eleições. Algumas vezes até com uma aparência de liberdade, como foram as presidenciais de 58 com o general Humberto Delgado a tentar apear Salazar.
O que define uma democracia é a população poder escolher quem ocupa os lugares de poder. Mas não só, é também necessário que exista a possibilidade de alternância no poder, a limitação de mandatos, o escrutínio do poder pelos cidadãos, a liberdade de expressão, o respeito pela lei e a igualdade de todos perante a lei. A escolha pelo voto é apenas um dos ingredientes do guisado democrático.
Em seguida é necessário compreender que a escolha de um programa de governo, seja para um município ou para um país, pode ser separada da escolha de quem o implementa. Isto pode parecer estranho, mas é mais ou menos o que se passa num clube de futebol. Os sócios elegem uma direção que decide os objetivos para a época. Mas quem os implementa é a equipa técnica, que foi escolhida e não foi votada para o lugar. Os sócios pedem contas à direcção, não ao treinador nem ao preparador físico.
Transportando esta ideia para a política, é perfeitamente possível que os cidadãos decidam o programa de governo e quem o vai implementar em momentos diferentes. E é nesta distinção que se abre a porta para outros métodos de decisão que não as eleições. Provavelmente parece utópico o que lhe estou a propor. Mas eu dou-lhe um exemplo práctico: as assembleias de cidadãos. No essencial, escolhe-se por sorteio um conjunto de cidadãos, que é encarregado de se pronunciar sobre um determinado assunto. O grupo discute internamente, ouve especialistas sobre o tema e no final formula uma recomendação, que de seguida o governo deve de implementar. Ou justificar porque é que não o vai fazer. Foi assim que se legalizou o aborto na Irelanda, por exemplo.
As assembleias de cidadãos foram a forma que a Irlanda encontrou de lidar com tópicos sobre os quais os partidos não se conseguiam entender nem chegar a um compromisso, outro dos importantes ingredientes da democracia. Curiosamente, aqui na Bélgica, onde o compromisso é uma forma de vida, foi muito recentemente criada uma assembleia de cidadãos permanente na parte que fala alemão.
Mas qual é exatamente a vantagem das assembleias de cidadãos? No caso específico irlandês, porque é que não fizeram um referendo como se fez em Portugal? À primeira vista, os referendos parecem ser mais democráticos e eficazes. Faz-se uma pergunta, as pessoas votam Sim ou Não e no final contam-se os votos. Simples e rápido, certo?
As aparências iludem, veja-se o caso português sobre a despenalização do aborto. Foram feitos dois referendos, um em 1998 e outro em 2007. Em ambos, a participação foi inferior aos 50% necessários para que a decisão fosse vinculativa. E acabou por ser a Assembleia da República a decidir pela despenalização. Correu tão mal a experiência do referendo que a proposta da despenalização da eutanásia entrou na Assembleia pela porta do cavalo, sem que o assunto tenha sido sequer sugerido durante a campanha para as legislativas, seis meses antes. E outros assuntos igualmente importantes para Portugal como a adesão à UE, o tratado de Maastricht e a entrada no Euro não foram sequer sujeitos a referendo.
As assembleias de cidadãos, por outro lado, conjugam duas propriedades fundamentais numa democracia: um processo de discussão e uma negociação com as outras instituições representativas. E, a meu ver, a cereja no topo do bolo: a escolha aleatória dos participantes permite que todos os cidadãos tenham uma possibilidade real de participar. Pode-se argumentar que os cidadãos em democracia podem participar na vida pública, mas a realidade dos factos é outra.
Em Portugal, o discurso político está exclusivamente na mão dos partidos políticos e para participar é necessário ser-se membro de um partido. O problema obviamente não são os partidos políticos, mas sim o seu domínio exclusivo do espaço público. Ironia das ironias, até uma comissão para festejar os 50 anos do 25 de Abril foi criada para pagar os serviços de um comentador, tornado político. A população, essa só foi convidada para pagar a conta.
E fruto desse afastamento, a discussão política gira em torno dos assuntos que interessam ao pequeno círculo dos que estão na política. Que são necessariamente os mais ricos, porque dificilmente os mais pobres têm disponibilidade para participar nos partidos políticos. Num país como Portugal, onde quase metade da população é muito pobre isto significa uma degradação dos serviços públicos pois a elite, que está na política e que tem tempo e poder para reclamar, não os utiliza.
As assembleias de de cidadãos são a solução? Objetivamente não sei, mas são certamente uma alternativa que vale a pena tentar, nem que seja a nível local. Pior que está não fica.