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“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”
Luís Vaz de Camões
Esta quadra de Camões, escrita já lá vão cinco séculos, continua hoje tão actual como no dia em que foi escrita. E relembra-nos que o mundo sempre assim foi. Hoje temos tendência a culpar a Internet, e a crescente digitalização do mundo, pelo sem fim de novidades com que somos confrontados. Mas já no “pacato, bucólico” século dezasseis havia quem se queixava da voracidade das mudanças. Afinal foi nesta época que a Europa descobriu o mundo.
Mas esta ideia de um mundo em permanente mudança tem raízes ainda mais antigas. Nas procissões que os generais faziam em Roma após uma vitória importante, os triunfos, levavam sempre com eles um escravo que lhes repetia ao ouvido: “tempus fugit, memento mori”. Numa tradução livre, “o tempo foge, as glórias têm uma vida curta”. Ou citando novamente Camões, “que em fortuna tudo são mudanças”.
Apesar destes ensinamentos do passado, continuamos mesmo assim com muita dificuldade em aceitar a mudança. E se há um bom exemplo disto mesmo, é a forma absolutamente retrógrada como é feita a distribuição de filmes e séries portugueses. Ao contrário dos livros e da música portuguesa, que hoje está à distância de um click, acesso a produções audiovisuais portuguesas só mesmo por portas travessas.
No caso dos livros, há já editoras em Portugal que acordaram para o século XXI e permitem a compra de e-books a preços da uva mijona. Quem como eu gosta de sentir o cheiro do papel por entre os dedos, paga um pouco mais e encomenda online. Existem até algumas lojas e vendedores em Bruxelas a quem podemos encomendar livros portugueses. E quem quiser conhecer os clássicos, pode fazê-lo gratuitamente através do Projecto Gutenberg. Eça, Garret, Herculano e o grande Camilo Castelo Branco, estão lá todos. De livros por autores portugueses estamos conversados, há para todos os gostos e carteiras.
E a música ? As rádios portuguesas foram rápidas a abraçar a Internet, o que se compreende porque estão pensadas de origem para difundir os seus conteúdos de forma gratuita. Para efeitos práticos, para as rádios não há diferença entre uma antena ou um cabo de Ethernet.
Já as editoras, com essas a música é outra. Se são conhecidas as reticências das editoras à Internet, bem mais conhecidas são as plataformas de partilha de música. Inicialmente tivemos o Napster, que foi brutalmente atacado em tribunal, depois vieram o E-mule, o Kazaa, o Limewire e o admirável mundo dos torrents. Seguiram-se o Youtube, o Spotify e o Deezer, só para mencionar alguns, que permitem aos fãs ouvirem música de forma quase gratuita e aos artistas receberem algum dinheiro de volta. Há até artistas que pedem aos fãs directamente para suportar o trabalho deles. O álbum “Geodesia” do Luís Peixoto, por exemplo, foi financiado através de donativos.
Temos assim que editores de livros e de música se adaptaram às novas formas de distribuição que a Internet permite. Com alguma rabuja à mistura, perceberam que o mundo tinha mudado, adaptaram-se e com isso têm a possibilidade de chegar a um mercado de 280 milhões potenciais consumidores. Sim, nestas coisas da cultura é preciso nunca esquecer que o português é a 5a língua mais falada no mundo.
Olhando estes exemplos de adaptação às novas realidades de distribuição, não se percebe o autismo em que vivem os meios audiovisuais portugueses. Na RTP Play, só para tomar o exemplo de algo financiado com dinheiro público, algumas séries nacionais estão disponíveis, outras não. O racional, você conhece ? Eu não. Salva-se a produção independente com algumas experiências interessantes disponíveis no Youtube, como por exemplo “O Resto da Tua Vida” ou o “Submersos” com a Maria Rueff.
E o cinema português ? “Een echte miserie”, como dizem os flamengos. Existe, ouvi dizer, mas nunca consegui ver fora de Portugal. O ano passado quis organizar uma visita a Courtai, no 11 de Novembro, para que a minha filha ficasse a conhecer mais sobre a Grande Guerra. O roteiro incluía ver o filme “O Soldado Milhões”. Note bem o tempo verbal, passado imperfeito. Inacabado porque na RTP Play temos a possibilidade de ler sobre o filme, mas não de ver o filme. Idem para o filme “Mosquito”, que se passa no mesmo contexto mas em Moçambique. Estes são filmes sobre a história recente portuguesa, aliás um dos meus bisavôs esteve na campanha de Moçambique, que foram pagos com dinheiros públicos e…. que estão escondidos do público. Posso comprar em DVD ou, dizem, que os poderia eventualmente sacar da net. Ambas opções perfeitamente palermas num mundo repleto de Netflixes.
Mas esta palermice não faz só escola no público, os privados parece que também não gostam que o mundo conheça os tesouros audiovisuais portugueses. O “Mutant Blast” é um filme portguês recente, sobre zombies. Disponível em ? Adivinhou, apenas em DVD ou streaming em Portugal. Faz todo o sentido. Há 8 biliões de pessoas no mundo mas os distribuidores do filme acham que o privilégio de o ver está reservado aos 10 milhões no jardim à beira mar plantado. A excepção a esta regra é o Filmin, mas mesmo assim limitado a quem vive em Espanha ou no México. É curto, obriga na mesma a utilizar portas travessas, mas é o triste pouco que temos.
É por isso que não se entende o choradinho de que ninguém vê cinema português. É certo que poucos o vêem, porque também só é oferecido a poucos. Eu consigo comprar facilmente grelos, minis e queijo da serra aqui em Bruxelas. Já pagar para ver um filme português é algo que ainda não descobri como fazer.
Nota de rodapé:
A repetição das eleições no círculo da Europa foi o desastre esperado. Antes da contagem tivemos Berta Nunes, ex-Secretária de Estado das Comunidades, toda contente porque votaram presencialmente mais dois ou três gatos pingados do que nas primeiras eleições. E tivemos uma discussão no Parlamento em que todos os partidos se acusaram mutuamente do desastre. Já diz o povo, casa onde não há voto todos ralham e ninguém tem razão.
Quando se contaram os votos, não houve surpresas. Uma abstenção recorde, o partido dos votos nulos foi o segundo mais votado, por pouco ganhava as eleições. O PSD, esse morreu e o que falta mesmo é fazer-lhe o enterro. Alguém que tenha a caridade de avisar o número 9 da São Caetano à Lapa.