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Passados 47 anos do 25 de abril, o sistema político português pouco ou nada mudou. Centenas de estudos encomendados e pagos, comissões parlamentares específicas constituídas para a reforma do sistema político e, mesmo assim, praticamente nada mudou.
A única alteração de monta decorreu com a revisão constitucional de 1997 ao permitir candidaturas independentes para os órgãos autárquicos. Mas mesmo aí a lei foi elaborada de maneira a dificultar a vida às candidaturas independentes, uma vez que é mais exigente para as candidaturas independentes (recolha de assinaturas) que para os candidatos de partidos que não têm de proceder à recolha de assinaturas para se candidatarem. Claro que alguns dirão que se aplicam às candidaturas independentes as mesmas regras, com a devida proporcionalidade, que às candidaturas “independentes” à Presidência da República.
Todavia convém esclarecer dois pontos: Todos os candidatos à Presidência da República têm de cumprir as mesmas regras. Por outro lado, poucas são as candidaturas independentes à Presidência da República. Alguém acredita que uma pessoa que foi toda uma vida militante de um partido, que até desempenhou e, em alguns casos, ainda desempenha, cargos partidários, ao decidir candidatar-se a Presidente da República passa, como que por magia, a independente?!
Aliás no PSD até ouve quem pedisse a suspensão de militância. Tal figura deve fazer parte duns estatutos obscuros ou clandestinos, pois nos estatutos oficiais tal não existe e julgo nunca ter existido. Quando em 1997 pensaram - coisa rara na nossa classe política - na alteração legislativa, imaginavam que dificilmente alguém conseguiria apresentar lista como independente a uma Câmara Municipal e ganhar essa eleição. Como na maioria das vezes, enganaram-se. De então para cá, várias foram as candidaturas independentes e o número de victórias independentes tem vindo a aumentar. Nas eleições de 2017 as candidaturas de cidadãos independentes foram a quarta força política a nível autárquico, com 6,7% dos votos obtidos em todo o país. O caso mais paradigmático foi a vitória em 2013 e reeleição em 2017 de Rui Moreira no Porto. Coisas que o legislador de 1997 nunca imaginou ser possível.
Perante este cenário de crescimento e victória de candidaturas independentes, eis que em 2020 surge uma nova classe de iluminados - peço para não confundirem com os iluministas - alguns deles até apoiantes de Rui Moreira em 2013, propor uma surrealista alteração legislativa no que se refere às candidaturas de cidadãos independentes.
Qual o objectivo: limitar ao máximo essas candidaturas. Então (...) propuseram coisas como: obrigatoriedade de recolha de assinaturas para concorrer à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal, mas igualmente para se poderem candidatar a cada uma das freguesias do Concelho. Mas ainda foram mais longe. Tornaram obrigatório a constituição de movimentos independentes para a Câmara Municipal, Assembleia Municipal e para cada uma das juntas de freguesia do Concelho. Vamos tomar Barcelos como exemplo. Um Movimento independente para a Câmara Municipal, mais um movimento independente para a Assembleia Municipal e mais 60 movimentos independentes, um para cada um das respectivas freguesias. Perante os protestos dos Presidentes de Câmara independentes, PS e PSD demonstraram disposição para alterarem o que aprovaram em Julho de 2020.
Todavia, o que me espanta não é o recuo dos partidos no sentido de procederem à alteração da lei, mas sim duas coisas: Por um lado, como foi possível algumas senhoras e senhores terem tido o desplante de escrever tais disparates e, por outro, como é possível o actual Presidente do PSD, Deputado da Nação e que votou essa alteração legislativa, assumir agora, em entrevista, que não está muito dentro do assunto. Estamos conversados sobre a importância que atribui à função de Deputado.
Fernando Vaz das Neves
(Artigo escrito de acordo com a antiga ortografia)