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É só para inglês ver
É conhecido que a desorganização territorial, sobretudo no Norte e Centro do país, é uma das principais achas que alimenta os incêndios no Verão. O Estado português bem pode querer obrigar a que os proprietários mantenham os pinhais limpos, mas o facto é que em boa parte do território nacional o Estado não sabe de quem são os terrenos. Uma das tarefas mais básicas do Estado, o registo de propriedade, em que se andou anos a assobiar para o lado sem nada fazer. Foi preciso a tragédia do Pedrógão Grande, e claro chover guito de Bruxelas, para finalmente se dar início às inquirições.
E assim nasceu o BUPI, o organismo responsável por organizar a bagunça que é o cadastro das propriedades. A ideia do BUPI é simples, construir uma base de dados em que cada número na Conservatória do Registo Predial está associado aos limites geográficos dos respectivos terrenos. E para incentivar a população a participar, o registo na conservatória é gratuito para quem já passou pelo BUPI. Que também é gratuito e pode ser feito online pelos proprietários sem ser necessário fazer fila à porta das repartições dos municípios. E quem não quer, ou não sabe, fazer online pode ir à câmara. No caso particular do município de Pombal, é feito por marcação para evitar filas de espera. Existe até uma equipa que se desloca às sedes de freguesia, aproximando o poder local ainda mais aos cidadãos.
O site do BUPI parece bem feito, e com uma transparência que não me lembro de ver em mais nenhum organismo do Estado. É possível ver a equipa de gestão e os respectivos currículos. Só é pena estar sediado em Lisboa, mas ele há vícios que são difíceis de eliminar. Resumindo, demorou mas parece que finalmente o Estado português foi capaz de fazer algo bem feito.
Mas será que vai ter o efeito pretendido ? Ou seja, vamos conseguir finalmente pôr alguma ordem na desordem que é o cadastro dos terrenos em Portugal ? Eu estou esperançoso, mas vejo algumas nuvens negras no horizonte.
Primeiro que tudo, os proprietários muitas vezes desconhecem os limites dos terrenos. Antigamente, quando todos viviam na aldeia e se conheciam, bastava ir ver onde estavam os marcos dos terrenos. É sabido, os marcos por vezes mexem-se durante a noite, os malandrecos. Mas o assunto era resolvido com uma boa sessão de pancadaria e um ou outro tiro de caçadeira. Hoje, os proprietários são na sua maioria septuagenários, as partilhas não foram feitas e os herdeiros ou não se interessam ou vivem longe. Hoje, os marcos dos terrenos podem todos ir de férias que ninguém vai dar conta.
Depois temos o pormenor de que os registos na conservatória são pura ficção. As áreas indicadas estão erradas, a descrição não é inteligível e a localização é perfeitamente críptica. Dou como exemplo um dos terrenos do meu pai, cujo registo na Conservatória reza o seguinte: "Data: 1957, Localização: Cavadinha, Área 12 mil metros quadrados, Descrição: Terreno com sete tanchas". Na realidade, a área é um terço do valor inscrito, a Cavadinha já pouca gente na aldeia sabe onde é, e segundo o dicionário, uma "tancha" é um instrumento de pesca. Mais tarde, o meu pai lá me explicou que uma tancha é uma oliveira pequena. Portanto temos que em 1957 um metro tinha uns 30 centímetros de comprimento, o escrivão da conservatória utilizava calão regional em documentos oficiais e estavam lá sete oliveiras pequenas. Que entretanto cresceram e foram fazer vida para outro lugar, porque já não lá se vê nenhuma.
E finalmente, o problema mais óbvio de todos: ninguém está obrigado a refazer o registo dos terrenos. Agora, como estão as coisas, os terrenos só dão trabalho e chatices, para quê correr o risco de uma multa por não ter limpo um terreno que não se sabe bem onde fica ? Por isso, quem não quiser apanhar uma multa por falta de limpeza do mato, fica caladinho e deixa que passem para as mãos do Estado. Como é que depois o Estado vai fazer para gerir uma manta de retalhos, quando por exemplo nem sequer o Pinhal de Leiria ou o Parque da Serra da Estrela conseguiu proteger do fogo, isso estou eu para saber.
Se a actualização do cadastro é necessária, não é suficiente para garantir a boa gestão do território. Falta claro os incentivos económicos, que estão na base da necessidade de identificar e proteger a propriedade privada. O BUPI, por muito bem feito que esteja, não vai por si só lançar as actividades económicas que vão garantir a boa gestão da floresta.
Faz falta uma economia do fogo, como bem escreveu o Henrique Santos, que promova a gestão da floresta e involva as populações no processo. Só assim todo este esforço em cadastrar o território será recompensado. Caso contrário será mais uma obra para inglês ver.