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No último artigo que aqui publiquei, escrevi que à classe política não interessa legislar, com seriedade, sobre o enriquecimento ilícito. Se realmente tivesse interesse em legislar sobre o assunto poderia fazê-lo de duas maneiras: ou utilizando a mesma estratégia que está a usar para a Lei de Emergência Sanitária ou, por outro lado, através de uma Revisão Constitucional, de modo a acabar com os entraves constitucionais que impedem a tipificação desse crime.
Mas, nem de propósito, dias depois de eu ter enviado o artigo para publicação, eis que Rui Rio apresenta uma proposta de Revisão Constitucional, em nome do PSD. Rui Rio que gosta de se apresentar como o paladino da ética, que aponta "fraca eficácia" do Ministério Público no combate à corrupção, que afirma que o PSD só apoiará "medida pontual" sobre enriquecimento ilícito que seja "eficaz e constitucional", tinha agora a suprema possibilidade de alterar o quadro constitucional vigente, de modo a concretizar todo o seu pensamento (se é que o tem) de combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito. Vejamos então as “linhas de Força” apresentadas pelo imaculado Rui Rio.
De entre as propostas apresentadas destacam-se: a redução do número de deputados, dos atuais 230 para um intervalo entre 181 e 215, com a limitação a dois mandatos, que passam de quatro para cinco anos cada. As legislaturas passam a ser de cinco anos e os mandatos do Presidente da República passam a ser de 6 anos, mantendo-se a limitação de dois mandatos consecutivos. O Presidente da República poderá, se assim o entender, presidir a reuniões do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho Superior do Ministério Público, órgãos que, na proposta social-democrata, veem as suas composições alteradas, com maioria de membros não magistrados.
Outra das alterações propostas, é a possibilidade de personalidades – sem que se esclareça o critério de escolha -, que não sejam deputados, participarem em comissões de inquérito parlamentar, sem direito a voto. A que titulo participam em comissões de um órgão que representa os cidadãos eleitores? Qual a sua legitimidade? Qual o seu papel? Qual o nível da sua intervenção? Serão observadores externos para verificação do normal funcionamento das instituições democráticas? Enfim, uma perfeita trapalhada, que, tentando ser inovadora, é uma aberração jurídico-constitucional.
Como pode o leitor verificar, tudo grandes medidas para combater a corrupção e o enriquecimento ilícito. De uma coisa não temos dúvidas: a coerência, entre o que diz e o que faz, não é mesmo o forte de Rui Rio. Mas se a coerência não abunda, já o disparate abunda e por demais. Querer, por exemplo, que o Conselho Superior de Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público tenha a maioria dos membros não magistrados, só servirá para o poder político continuar a controlar estes órgãos. Por exemplo, Rui Rio poderia ter proposto a incompatibilidade de advogados serem membros destes órgãos, ou seja, fará sentido que, de manhã um advogado esteja no tribunal a defender uma causa, e à tarde esteja a avaliar o Procurador que deduziu a acusação ou o juiz que está a julgar esse caso?
Mas o disparate vai ainda mais longe quando a proposta de revisão da Constituição da República prevê, na área dos direitos fundamentais, a possibilidade de confinamento ou internamento de pessoa com grave doença contagiosa, por razões de saúde pública, sem decisão judicial. Ou seja, um qualquer Director Geral de Saúde, um qualquer Ministro, um qualquer ajudante de Ministro pode, por livre e espontânea vontade, mandar internar que bem entender por razões de saúde pública. Infelizmente, isto faz-nos lembrar outros tempos, que ninguém quer que se repitam…
Fernando Vaz das Neves
(Artigo escrito de acordo com a antiga ortografia)