Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
O amor à pátria ainda conta para os emigrantes portugueses na hora de investirem, mas cada vez menos e apenas para os mais antigos, que enviam anualmente em remessas o mesmo valor que Portugal recebe dos fundos europeus.
“Mandar dinheiro para Portugal por amor ao país é uma quimera. É algo que se diz porque não há mais nada a dizer. As pessoas enviam dinheiro porque esperam ter algum rendimento desse dinheiro”, afirmou Alfredo Stoffel, português a viver na Alemanha há 47 anos.
Em 2021, os emigrantes portugueses enviaram 3.677,76 milhões de euros em remessas, o valor mais elevado nas últimas duas décadas e mais ou menos o mesmo que Portugal recebe dos fundos europeus, segundo o coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires.
Para Alfredo Stoffel, que envia dinheiro para Portugal para “despesas correntes”, tanto ele como os compatriotas na Alemanha fazem estas transferências com dois objetivos: investimentos e pagamento de despesas.
“Alguns talvez ainda juntem algum dinheiro em Portugal, mas só se for em certificados, porque não há qualquer vantagem nos bancos portugueses em relação aos de países como a Alemanha”, onde em 2020 residiam 114.825 nascidos em Portugal.
E lamentou que não existam contrapartidas fiscais e programas de apoio que sejam atrativos ao investimento dos emigrantes, pois as remessas são “uma fonte de receita muito significativa, para a qual o Estado português não precisa de investir nada”.
“O emigrante envia as suas remessas para Portugal e não exige nada em troca. É visto como uma fonte de receita”, disse, reforçando: “Portugal olha para os emigrantes através das suas remessas”.
Os escândalos que afetaram a banca portuguesa, lesando vários emigrantes, esfriaram ainda mais esta relação.
“Acredito que, quem queira investir em Portugal, o faça hoje com muito mais atenção, após os bancos prometerem mundos e fundos a clientes que se deixaram encantar por valores irreais no mundo financeiro. Deu no que deu”, referiu Stoffel.
No Luxemburgo há 20 anos, Luísa opta pelos bancos desse país na hora de juntar as poupanças. Tem investimentos imobiliários em Portugal e, por isso, mantém uma conta para as despesas correntes, sobre a qual lamenta a quantidade de taxas que cobram.
Não encontra qualquer motivo para enviar dinheiro para Portugal enquanto contributo para o desenvolvimento da economia, optando por fazê-lo, ainda que não de uma forma deliberada, quando visita o país, onde consome sem contenção, principalmente no comércio local.
Neste país, onde em 2019 viviam 83.666 portugueses, não conhece quem invista em Portugal em nome do amor ao país e acredita mesmo que esses são valores de uma geração de emigrantes “mais antiga”.
José Inácio Sebastião, desde 1988 a viver na Suíça, país com 210.731 portugueses e o que mais remessas envia para Portugal, acredita que muitos enviam dinheiro para Portugal porque amam o seu país e querem ajudá-lo a crescer.
Este conselheiro das comunidades portuguesas disse à Lusa que tem residência em Portugal, bem como uma conta bancária para “satisfazer as despesas”.
“Necessito de ir a Portugal, ver o meu país. Os emigrantes tanto querem a Portugal e os governos tanto desprezam os emigrantes”, lamentou, afirmando que os portugueses que vão para a Suíça “continuam muito ligados ao seu país de origem” e que, talvez por isso, tenham “o hábito de mandar remessas”.
Ao contrário dos portugueses em outros destinos, os emigrantes na Suíça acalentam o sonho de ganhar dinheiro, construir uma casa em Portugal e regressar ao seu país.
“Quando mandam dinheiro, além das questões práticas, os portugueses sabem que estão a mandar dinheiro para Portugal, para o seu país”, apesar de não terem benefícios.
José Inácio Sebastião considerou que as comunidades portuguesas “continuam a confiar na banca portuguesa, mas agora com mais cuidado nas escolhas”.
E apontou o dedo aos sucessivos governos portugueses que “não reconhecem a importância e o esforço dos emigrantes”: “Nós, que tanto contribuímos para o desenvolvimento da economia portuguesa, temos tão poucos representantes [dois deputados eleitos pela Europa e outros dois por Fora da Europa]”.
Fora da Europa, o envio das remessas para Portugal tem ainda outras razões: a moeda e a segurança.
David Augusto da Fonte, emigrante no Brasil há mais de 60 anos, orgulha-se de conhecer, como poucos, a comunidade portuguesa, estimada em 185.489 cidadãos, em 2019.
Tal como muitos compatriotas, desloca-se a Portugal sempre que pode.
“Muitos mandam as remessas para investimentos, na maior parte na compra de imóveis, abrindo caminho para um dia poderem regressar”, disse à Lusa.
Mas o objetivo passa também por “investir numa moeda segura (euro), valorizada e que pode ser trocada por outra moeda para, com isso, se ganhar muito dinheiro”.
David Augusto da Fonte não tem dúvidas: “Quem envia remessas não pensa em ajudar o país, pensa mais no seu bolso”. E pensa duas vezes, ou mais, quando se trata de bancos portugueses, depois dos vários escândalos que deixaram “um trauma muito grande”.
“Muita gente perdeu dinheiro. As pessoas têm hoje receio de investir. Os que tinham somas muito altas, ou ainda têm, investem em imóveis, compram casas, arrendam casas”, contou.
Na África do Sul, Maria Lígia Fernandes faz parte dos cerca de 47.622 portugueses que ali residem, a esmagadora maioria oriunda da Madeira.
Contou como, durante décadas, os portugueses foram juntando dinheiro com o propósito de ter “um cantinho na sua terra”, para onde regressar um dia, um objetivo que já não identifica nas gerações mais recentes de emigrantes, nem de lusodescendentes.
“África sempre foi alvo de incertezas e os portugueses que aqui vivem e trabalham optaram por deixar o seu dinheiro em Portugal, onde a banca é mais segura, ou pelo menos assim pensavam”, frisou.
A emigrante notou que “na hora de investir é na pátria, principalmente na habitação”.
“Mantém-se o espírito de ajudar o país, mas os emigrantes enviam as suas remessas porque acreditam que ficam mais seguras em Portugal do que em África”, afirmou, lamentando os escândalos na banca.
“O que se passou foi muito grave e abalou a confiança dos portugueses. Os bancários vinham cá, estabeleciam amizades, traziam muitas propostas e, no fim de contas, deu o que deu”, disse, lamentando que os portugueses queiram investir em Portugal, mas não saibam como fazê-lo.
E reclamou mais incentivos, pois nos mais de 60 anos passados na África do Sul assistiu ao fim de muitos deles.