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O GLO Hotel Art funciona num imóvel que recorda um castelo, construído em 1903 de acordo com os cânones do Romantismo Nacional. No presente, os blocos vizinhos e o quarteirão onde se situa fazem dele uma antigualha. Com teto em abóbada, frescos, vitrais e criaturas bizarras esculpidas em pedra, as suas áreas comuns são agradáveis. O quarto que nos atribuíram patenteava bom gosto, mas não era possível abrir as respetivas janelas nem desligar o ar condicionado. Perguntei por uma mudança, as outras opções não eram melhores. Ante o contratempo, mil vezes maldisse o hotel e os que o gerem.
Para me redimir da detração e por sede de arquitetura atípica — já contemporânea, já moderna —, iniciámos a descoberta de Helsínquia na capela de Kamppi e daí seguimos para a igreja de Temppeliaukio.
A capela de Kamppi, conhecida por «capela do silêncio», é um templo luterano no centro da cidade. Exibe forma curiosa que a aproxima do recipiente de uma chávena. Outrossim, nela se pode divisar um vaso ou, forçando a nota, um barco, é obra que provoca a imaginação. Não tem janelas e a madeira prepondera: revestimento exterior de abeto, paredes interiores de amieiro, mobiliário de freixo. No cimo, uma placa de gesso filtra a luz natural e cria barreira acústica, ponto de subida importância em zona de bulício. Se o molde surpreende, também o fator humano me espantou: durante os três quartos de hora em que lá estivemos, uma sacerdotisa empunhou o papel plastificado de que constavam as proibições de fazer fotografias e de gravar vídeos. Ainda hoje ignoro a causa de tanto zelo, acho que teria sido suficiente pôr a dita folha em local visível.
A igreja de Temppeliaukio, da confissão luterana, é um edifício circular construído na cavidade aberta numa praça. A parte superior da cúpula está revestida de chapas de cobre. A parte inferior compõe-se de vigas de betão e claraboias (o recorte do granito determina o comprimento de umas e de outras). Lá dentro, chão cinza e estofos púrpura sobre bancos de bétula pintada de azul combinam com os matizes da pedra. Aquando da edificação, os custos ocasionaram celeuma e, por meio da palavra «BIAFRA», estudantes encrespados grafaram o seu protesto em várias paredes. Deste jeito contrapunham a fome nessa região africana ao dinheiro gasto para levantar a «igreja na rocha». Com os anos, as receitas advindas dos concertos e do afluxo de visitantes, que pagam entrada, excederam tal despesa.
Nos dois lugares santos resgatei‑me da maledicência. Foram o sítio certo para isso: por mor da sua estrutura, os finlandeses veem na igreja de Temppeliaukio um «bunker de proteção contra o Diabo». Ainda assim, não fosse este tecê‑las, quando voltei a Helsínquia, uma semana depois, hospedei‑me no Original Sokos Hotel Albert — nos quartos, os hóspedes podiam abrir a janela e desligar o ar condicionado.
Abstraindo das culpas que carreguemos, os templos referidos são credores de visita, dão corpo a uma estética intemporal que os fará resistir à soberba de novos gostos. Eles e os retratos que me demorei a fazer, e que me franquearam a alma de uma dúzia de pessoas, foram as melhores novidades da viagem de duas semanas pela Finlândia. Um regalo para a vista. E também para o ouvido, se tivermos em conta os dizeres de Schelling e de Goethe que qualificam a arquitetura de «música petrificada» (erstarrte Musik).
[1] Cf., respetivamente, SCHELLING, Friedrich, Philosophie der Kunst, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1976, pp. 220 e 237, e ECKERMANN, Johann Peter, Gespräche mit Goethe in den letzen Jahren seines Lebens, [s.l., mas impresso em Wroclaw], e‑artnow, 2018, p. 157.