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Segundo o guia de viagem publicado pela Lonely Planet, o hotel Kalina, em Koprivshtitsa, «ne manque pas de classe avec ses chambres immaculées et son service professionnel. Il comprend également un joli jardin»1. Para ele me dirigi, ainda que, por causa do manto de neve, não tivesse ilusões acerca do jardim. Franqueei o portão de madeira e segui por uma nesga do pátio subtraída ao império do branco. Vinda da Bulgária profunda, abeirou-se de mim uma senhora com casaco de malha grossa, palco de arraial que incluía figuras de folclore em losangos vermelhos, pretos e brancos. Entrámos no edifício onde se situavam os quartos dos hóspedes. Sob a escada de acesso ao andar superior, a receção abria para a sala de refeições, fria e sem graça nos ornatos. Lasso e sem vontade de procurar outro albergue, aceitei em inglês o quarto que me foi proposto em búlgaro. Nas suas paredes adamascadas, composições florais e entrelaces de linhas traduziam de modo canhestro os cânones da arquitetura do Renascimento búlgaro, tão rica noutras casas de Koprivshtitsa. Mais do que pelas janelas, com os estores ao alto e as cortinas brancas de musselina descerradas, a noite entrava através do mau gosto dos candeeiros de parede, edredões e tapetes, da desenxabidez do mobiliário de madeira — cama, mesas de cabeceira, guarda−roupa, prateleira, banqueta —, da pane no televisor. A casa de banho, exígua, não tinha sequer espaço diferenciado para duche.
Depois de me instalar, encaminhei-me para o restaurante Tchoutchoura. Mercê de um magnífico hambúrguer recheado com queijo e de um encorpado iogurte com mel, ele resgatou anteriores desacertos da cozinha búlgara.
Durante a noite, fui chão de pouco lisonjeira disputa entre frio, insónia e receio de neve nas estradas pela manhã. À hora do pequeno-almoço, esperavam‑me, sobre a mesa da sala, pão, manteiga, queijo, fiambre e tomates de boa cor; a minha anfitriã — o arraial dera lugar a praia dos trópicos estampada numa camisola — trouxe-me duas xícaras, uma cheia de café, a outra com um nico de leite. Pedi mais leite, respondeu que se acabara. Protestei e, já de mau cenho, rosnou «magazin»; logo percebi que o ia comprar. Assim que voltou, tirei-lhe o pacote das mãos, tal era a sofreguidão.
Terminei o repasto em paz e, malas feitas, rumei para Sófia. Ao volante, fiz o balanço das férias na Bulgária e pensei na viagem seguinte, a Israel. Concluí que os livros da Lonely Planet tinham perdido o estatuto de bíblia, naquele dia ganho pelo leite.
1 WATKINS, Richard; DELISO, Christopher, Bulgarie, tradução de Frédérique Hélion‑Guerrini e Marie Thureau, 2.ª edição, Paris, Lonely Planet, 2008, p. 196.