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Sufragada pelos doutos em arquitetura, a igreja de Kaleva, de 1966, parecia‑me um mono e, à medida que marchava na sua direção, perguntava‑me se o estiraço sob sol inclemente valeria a pena. O acaso levou‑me a entrada secundária que dá acesso a salas de convívio e a uma cozinha onde jovens universitários preparavam o almoço de um grupo de crianças em férias. A grata surpresa continuou na nave, espaçosa, com grande pé-direito e vistas desimpedidas. Aí, a combinação de móveis de pinho e paredes de betão produz resultado sóbrio e elegante. Boas fontes dizem que a planta do templo evoca um peixe, símbolo do cristianismo. Não o notei, creio que isso só se torna percetível se o ponto de mira estiver acima do telhado da igreja (mesmo assim, em fotografias, mais cedo topo uma folha de árvore que um peixe). Considerando a estrutura do edifício, apropositada me parece a designação proposta pelos piadistas: «silo das almas». Caminhar aza balanços e, no percurso de volta ao centro, achei‑me satisfeito. Aquele colosso de aparência discutível era na realidade um must, um must no meio de alfombra verde.
Já fã de quem projetou a igreja de Kaleva, Reima e Raili Pietilä, tomei a direção da principal biblioteca de Tampere, obra da mesma dupla, exemplo de arquitetura orgânica e paraíso da linha curva. Lá dentro, a atmosfera é informal. Os empregados desfizeram‑se em zelos para procurar livros sobre a arquitetura de Tampere escritos em inglês e, mal perguntei pelos sanitários, uma funcionária acompanhou‑me à respetiva porta.
Na ordem do dia, a igreja Finlayson, de 1879 e traço neogótico, sucedeu à biblioteca. Foi construída por ordem dos donos da algodoaria Finlayson, atentos ao bem‑estar espiritual dos operários. No exterior sem particular encanto, como em muita mole desta cidade de passado fabril pujante, predomina o tijolo. O interior é luminoso e desprovido de grandes ornatos. Duas curiosidades convocaram o meu interesse: o «altar das crianças», com representação de cenas bíblicas, e sobretudo as pequenas pedras de vidro arredondadas, incolores ou de uma só cor, que estavam num prato sobre a mesa próxima da entrada e numa pia cercã do altar‑mor. Mari e Terhi, luteranas de boa sombra que ali trabalham, adiantaram que os fiéis pegam numa ou em várias «pérolas de oração», rogam com ela(s) dentro da mão cerrada e por fim depositam‑na(s) no recetáculo que está perto do altar principal. Utilizando um folheto, as duas senhoras explicaram−me a correlação entre cor e propósito. Verde, azul, preto, amarelo, branco (e inexistência de cor), vermelho (e laranja) correspondem, respetivamente, a prece: pelas crianças; pelo próprio suplicante (em matéria de saúde e bem‑estar); pelos doentes e por quem sofre; com o intento de resolver problemas financeiros e do quotidiano; que afeiçoa diálogo com Deus; para chamar e manter a alegria e o amor, pelas relações familiares ou de amizade. Perfecionista, rezei munido de pedras de várias cores. Quando saí da igreja, tinha a alma cheia e tingida.
Mais tarde, jantei no restaurante 2h+k. A sua fachada é desmotivadora e as pessoas que vi à porta não tinham graça, mas a Pyynikin Brewhouse repleta e a proximidade entre ele e o hotel levaram‑me a entrar. A satisfação chegou na forma de uma sala aconchegante, de funcionários corteses e de um risoto de alcachofra‑de‑Jerusalém.
Antes de adormecer, ao rebobinar o dia, lembrei‑me do salmo bíblico — o 121.8 — inscrito num arco da igreja Finlayson e, na boa surpresa que tinha tido em cada sítio que havia visitado, reconheci o Senhor.