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Na parte velha de Portalegre, parcialmente cercada de muralhas, as ruas são estreitas e os prédios são baixos. O casario rebocado e pintado de branco, guarnecido de cairéis amarelos, produz efeito estético grato ao olhar.
Na arquitetura civil da cidade, sobreleva o estilo barroco, declinado em palácios e solares com fachadas armoriadas e guarda‑corpos de ferro batido. Assinalo o Palácio dos Condes de Avilez, do século xvɪɪɪ, atualmente ocupado pela Polícia de Segurança Pública, e o Palácio Amarelo, do século xvɪɪ. O primeiro combina o cânone barroco com o neoclássico, a respetiva fachada está dividida em cinco corpos, os dos extremos rematados por torreões. No interior, a escadaria principal é acompanhada por silhares de azulejos azuis e brancos com cenas de caça e, no salão nobre, são apresentados, em estuque pintado, os escudos de armas de todas as sedes de concelho do distrito de Portalegre. No que respeita ao Palácio Amarelo, distingo‑o pela filigrana dos guarda‑corpos de ferro forjado, da melhor que existe em Portugal. Denuncia a influência dos espanhóis, que com minúcia trabalhavam as suas grades.
Não gosto do edifício da Caixa Geral de Depósitos. Mas aprecio alguns dos seus laivos vernaculares, a saber, os trabalhos de bronze incorporados no gradeamento da porta principal, evocativos de atividades e mesteres tradicionais da região, e Cena campestre, óleo de Dórdio Gomes capaz de dar um nico de alma àquele espaço inindulgente.
Devo dizer que a sé estava encerrada, em obras de restauro. Em matéria de arquitetura religiosa, apreciei, em particular, a Igreja do Senhor Jesus do Bonfim e agradeço a visita dirigida por Manuel Isaac Correia. Datada do século xvɪɪɪ, exibe fronte elegante, com corpo central, encimado por frontão onde se abriu um óculo, e duas torres sineiras. O interior, de uma só nave, é rico, causou‑me impressão de horror ao vazio, é um mundo barroco e rococó onde sobressai a talha dourada, o azulejo e a pintura a óleo. Os painéis de azulejos da nave reproduzem cenas da vida de Cristo. São bonitos e, no meio daquela pujança decorativa, neles descansei o olhar.
O Mosteiro de São Bernardo foi construído no século xvɪ por iniciativa de D. Jorge de Melo, bispo da Guarda. Atualmente, nele funciona um centro de formação da Guarda Nacional Republicana. Transposto o portal renascentista da igreja, de mármore de Estremoz e atribuído a Nicolau Chanterenne, não me senti confortável no interior da mesma. No corpo do templo, e também nas capelas, no coro alto e no coro baixo, faltava decoração, aconchego, a quentura de um retalho organizado. A azulejaria é bonita e as abóbadas têm nervuras, mas, despido de ornamentação, o espaço mostra‑se frio.
Porém, há um motivo que justifica a visita. Ali se encontra um dos mais extraordinários monumentos funerários de Portugal, o túmulo de D. Jorge de Melo, bispo da Guarda, sepulcro que ele próprio mandou fazer. De mármore estremocense e imputado à mão de Nicolau Chanterenne, é obra de grandes dimensões. Na estátua jacente, o bispo traja vestes de pontífice. O corpo central do mausoléu tem vários nichos. No maior deles, estão as esculturas que figuram São Joaquim e Santa Ana; nos restantes, São Simão e Santa Helena e ainda, nos nichos mais pequenos, São Miguel e São Jorge. Uma imagem evocativa da Assunção e a pedra de armas do bispo encumeiam o corpo central. Dos dois corpos laterais, ressaltam as imagens de São Bento e de São Bernardo.
Antes de abandonar o recinto do mosteiro, conversei com agentes da GNR. Queria saber da sua vida e da sua permeabilidade ao discurso da extrema‑direita. Não posso dizer que tenha ficado surpreendido ao tomar conhecimento dos seus salários indignos, creio que, nos serviços públicos portugueses, só os magistrados são pagos de maneira decente. Escutei homens briosos, um deles disse‑me que gostaria de ver o Chega no Governo, mas nunca desempenhando o papel principal. Mediante o uso de exemplos, mostrei‑lhe que a extrema‑direita tende a absorver a direita clássica ou, pelo menos, que esta depressa adota o discurso e as propostas daquela.
A fechar, duas notas. Uma corresponde a surpresa, a outra é de lamento. Não há, na capital de distrito em pauta, nenhum grande centro comercial, os portalegrenses abastecem‑se na loja tradicional e em supermercados de cadeias retalhistas. Custou‑me ver a degradação das instalações onde operou a Fábrica Robinson, deplorei a condição desse legado da história industrial da cidade.