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Qualquer tecnologia suficientemente avançada é confundida com a magia.
Arthur C. Clark
O governo português tem vindo, passo a passo, a aumentar a oferta dos serviços digitais aos cidadãos. Começou timidamente há uma década atrás com a possibilidade de entregar o IRS online, e lentamente foi abrindo o leque de serviços disponíveis. Hoje já é possível assinar documentos, pedir algumas certidões online e marcar uma visita quando é necessário a nossa presença. É até possível aos emigrantes fazerem o registo de nascimento dos seus filhos online, sem se deslocarem ao consulado. Mais uns aninhos e já ninguém se lembra de como era difícil conseguir um atendimento no consulado, certo ? E daí, talvez não.
A atração do governo pelo digital compreende-se. A Internet, tal como a conhecemos, tem vinte e poucos anos mas já revolucionou por completo a nossa forma de vida. A Amazon tornou-se o gigante mundial do retalho porque é capaz de servir clientes em todos os continentes, latitudes e aldeolas. E consegui-o sem precisar de empregar muita gente. Actualmente tem cerca de 1 milhão e 600 mil trabalhadores, o que parece muito mas para comparação a Administração Pública em Portugal emprega um pouco mais de 700 mil pessoas. Pouco menos de metade da Amazon, mas com uma área de actuação geográfica muito mais limitada. E com uma qualidade de serviços que deixa muito a desejar.
No entanto, há uma área da governação que parece talhada para aproveitar as tecnologias digitais, a rede de consulados. Com um quinto da população a residir no estrangeiro, aumentar a oferta de serviços digitais aos emigrantes parece ser uma decisão óbvia. No limite, até se pode pensar que já não será preciso pagar funcionários nem escritórios para atender as necessidades dos emigrantes. Mas no limite, quais são os limites do que se pode fazer online?
Demos um passo atrás, e tentemos perceber o que é que é possível utilizando a Internet. Uma coisa que funciona extraordinariamente bem é a criação, armazenamento e pesquisa de informação. Bastou-me ir ao Pordata para saber quantos funcionários públicos existem em Portugal, e o Google apontou-me para o número de trabalhadores da Amazon. Em menos de um minuto, rabiosque sentadinho na cadeira. Daqui podemos concluir que a primeira coisa a fazer pelo governo português é colocar online tudo quando são leis, decretos e outras minudências com que pretende regular a vida pública. Neste aspecto em particular, o governo portugês tem feito um trabalho decente, há que admitir, em disponibilizar este tipo de informação. Mas, e há sempre um mas, falta o passo seguinte que é digerir todo este legalês opaco em língua de gente.
É incrível, mas eu tenho mais dificuldade em perceber uma carta das Finanças portuguesas do que do Fisco belga em holandês. E suspeito que não são só os cidadãos, os próprios funcionários públicos também padecem deste problema. Há uns anos tive umas quezílias com o fisco lusitano, e todos os funcionários com quem falei tinham, ou dificuldade em conhecer a lei aplicável ao meu caso, ou dificuldade em interpretar a lei. É obra, e explica porque é que com cada telefonema obtinha uma resposta diferente.
Para além de permitir o acesso fácil à informação, outra coisa que a Internet faz muito bem é o preenchimento de formulários. Por exemplo, uma encomenda online não é mais que preencher um formulário. Marcar a data de uma reunião, uma visita ao médico ou uma reserva num hotel? No essencial, pouco mais do que o preenchimento de formulários. Se dito assim não parece nada de revolucionário, é porque não o é. A Internet acelerou imenso o processo, mas no essencial o comércio online é essencialmente preencher um formulário. O governo português também está a dar boas passadas neste domínio, mas como d’habitude esquece-se de que falta também reforçar o lado humano. A Amazon não se limita a receber uma lista com as suas compras, mas de seguida prepara a embalagem e envia-a para a sua casa. Um processo, hoje, com bastante automação mas que ainda depende muito dos trabalhadores.
Mutatis mutandis, o governo português não pode pura e simplesmente disponibilizar formulários online, por exemplo para marcar uma ida ao consulado, se depois não há gente para tratar do pedido. No Portal das Comunidades estão listados aproximadamente 19 categorias de serviços, das quais pelo menos 7 precisam de ser feitas presencialmente. De que me servem páginas web e aplicações no telemóvel, se depois a coisa empanca na falta de funcionários no consulado?
Portanto, temos que a Internet é uma ferramenta bonita de que todos os governos gostam de usar, e abusar, mas que tem obviamente as suas limitações. Mas que, sobretudo, não é uma solução já cozinhada, pronta a aquecer no microondas. Disponibilizar leis e diplomas legais online ? Muito bem, mas é só o primeiro passo. É também necessário que seja legível e compreensível pelos cidadãos. Marcações online ? Brilhante, mas depois é necessário que existam os funcionários para o atendimento.
Mas mesmo se o governo conseguisse resolver estes problemas, um enorme se, existem muitos cidadãos excluídos deste mundo da Internet. Que também têm o direito de serem atendidos sem terem primeiro que fazer um curso universitário de informática. A título de curiosidade, os telefones do centro de saúde em Pombal raramente são atendidos. Quem quer uma consulta, que envie um e-mail. Eu faço-o de olhos fechados, mas acredito bem que mais de metade dos pombalenses não utiliza a conta de e-mail, quando a tem. Neste caso, infelizmente, é o governo a utilizar as novas tecnologias para barrar o acesso aos serviços que tem por obrigação prestar. Exactamente o contrário do que deveria ser.