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Braga reúne fastos barrocos e tesouros de eras pretéritas. No entanto, eu e a Jūratė outorgamos preferência às artes e à arquitetura do tempo recente e aqui deixo umas dezenas de linhas a propósito de fazeduras contemporâneas que sobalcei. É certo que me falta habilitação de perito, mas é o meu jeito de partilhar as melhores imagens que Braga imprimiu na minha retina. Por lhes ter dedicado prosa autónoma[1], passo ao largo da Capela da Imaculada e da Capela Cheia de Graça.
Ciceroneados por Mia, das relações públicas do Sporting de Braga, visitámos o estádio municipal da cidade, concebido por Eduardo Souto de Moura. Fica na área de uma pedreira desativada, é bonito e fotogénico. Só tem bancadas ao longo do terreno de jogo, não nas suas extremidades, o que dá azo a vistas desimpedidas e produz sensação de desembaraço. Pedra, betão e natureza criam uma bela cenografia. Ali, ver a bola é ensejo para receber lição de arquitetura e de estética.
Ante a nossa estranheza ao ver redes enormes numa das bancadas, Mia explicou‑nos que elas servem para evitar o arremesso de objetos e delimitam a zona — a única zona — na qual os membros das claques da equipa visitante podem assistir ao desafio. Eis o reconhecimento, mesmo institucional, de que parte do universo do futebol, composta pelas claques, se rege por motivações estranhas à civilização e à comunidade de direito.
A visita à sala onde se encontram troféus e vedalhas recebidos pelo Sporting de Braga foi ocasião para fazer uma pequena viagem pela Europa. Cingindo‑me às oblatas em que cravei o tento, logo nomeei o clube que havia oferecido a miniatura de um submarino amarelo — o Villarreal — e identifiquei aqueloutro que entregara a escultura representativa da loba capitolina — a Roma. Precisei de ajuda para saber que tinha sido o Lokomotiv de Moscovo a presentear o Braga com um tabuleiro e com as peças de um jogo de xadrez (assim se evocava a tradição do xadrez na Rússia) e para aprender o que era um quaigue, recipiente que, no passado, se usava para beber (uísque, brande…) nas comemorações grupais — o quaich exposto na sala de troféus foi prenda do Glasgow Rangers. Hoje, por causa das sequelas da guerra na Ucrânia, não seria possível ver os moscovitas a jogar em Braga. Tantas coisas achava certas e evidentes, tanto se esboroou por força desse conflito e do desconcerto de alguns homens.
Um táxi transportou‑nos do estádio para o Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo. Vi uma pichagem alusiva ao cónego Melo e interroguei o motorista acerca das memórias que os bracarenses dele guardam. O taxista falou‑me de um homem sectário e admirador do Estado Novo, acrescentou que ele traficava favores e intermediava influências, assim reforçando o conceito negativo que eu tinha do clérigo, conceito que nenhum parce sepultis poderá lavar. E, cereja em cima do bolo, aditou um pormenor picante: garantiu‑me que o cónego Melo «era doido por mulheres» e deixou vários filhos na cidade de Braga.
No referido seminário atraía‑nos a Capela da Árvore da Vida, uma joia do trabalho com madeira. Terminada em 2012, na sua construção operou‑se por encaixes, não há pregos nem parafusos ou dobradiças. O respetivo projeto teve assinatura do gabinete Cerejeira Fontes Arquitetos, que contou com a colaboração de Asbjørn Andresen, artista plástico norueguês. Despojado, o templo acolhe, ainda assim, algumas obras de Ilda David. Usam‑no os seminaristas e só abre ao público uma hora por semana. Visto que ali reinam o bom gosto e a harmonia, a estética e a simplicidade, a atmosfera incentiva à oração, à introspeção, a persistir no recolhimento. Para quem cultue a traça singular, este agnistério é um must.
Graças a uma resposta rápida e simpática de Maria Inês Barreto, do serviço de comunicação do grupo DST, pude ir à capelita de recolhimento e meditação existente no parque empresarial do conglomerado, nos arredores de Braga. De 2020, foi ideada pelo arquiteto Nuno Capa. Formam‑na dois volumes, feitos de betão aparente, cada um deles com um vidro na extremidade que fecha o conjunto. Num desses volumes há um banco de alto padrão estético, no outro reina, suspenso, um crucifixo. Minimalista e proporcionado, tal petit bijou da arquitetura tem a sua valia estética reforçada por branquejar no meio de um tapete de relva e também contra o verde da mata próxima.
Fã das conjugações de arte e de arquitetura com a natureza, na galeria Duarte Sequeira, em Parada de Tibães, estive nas minhas sete quintas. Na paisagem, a intervenção dirigida pelo arquiteto Carvalho Araújo integrou de maneira harmoniosa um edifício onde funciona um espaço para mostras, inaugurado em junho de 2000. Apodaria esse bloco com programa minimalista de «espaço pertinente», que só se vê na extensão certa e dos pontos donde deve ser visto. Fossem as caraterísticas do imóvel transpostas para os humanos, haveria menos chatos na Terra.
Quanto ao acervo museal, destaco uma composição metálica com corpo no qual se empregou fibra de vidro, resina e tinta UV. Trata‑se de uma escultura de Vanessa da Silva que pertence à série Muamba Grove e que está exposta ao ar livre, em terreno relvado. Tocou‑me pelo calibre estético e, sobretudo, pelo significado da série. A artista, uma brasileira que mora em Londres, sente (e põe‑no na arte) que a mudança de local de vida acarreta mutações no corpo, nos gestos e expressões. Eles alteram‑se por força da transferência. Também sou emigrante e, na Bélgica, avigorei carantonhas de pouca contemporização relativamente a quem não me agrada e terei ganho semblantes de reserva e de distanciamento.
Das grandezas da arte passei para coisas e condições comezinhas. Na pastelaria Fonte Cova, perto da galeria Duarte Sequeira, uma meia de leite, um pastel de nata, a simpatia das funcionárias e, na mesa rente à minha, uma mulher demoníaca que com as palavras pontapeava o marido, a Beta e a gramática.
[1] A Capela da Imaculada e a Capela Cheia de Graça, em Braga.