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Conversa e política em Santar, almoço no Zé Pataco


Foto: PauloPego


Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!


        Porquanto não visitei os seus jardins de bela feição, despedi‑me de Santar com um mordimento.

        O calor de rebentar pirómetros e a minha matriz avessa ao gregarismo dissuadiram‑me de participar na giravolta pelos jardins, guiada e em grupo. A Jūratė fê‑lo e trouxe‑me raconto interessante.

        A Igreja de São Pedro, a Igreja da Misericórdia e os solares da vila, espécimes de elegante arquitetura civil, estavam encerrados, e, apesar dos meus esforços, não consegui encontrar quem abrisse as igrejas. Passei, pois, bastante tempo num café‑restaurante a conversar com três velhos (um deles pouco falou). Eram gentis — dois deles mostraram‑se mesmo afetuosos —, mas do trio não veio senão uma sarta de ideias feitas, de dizeres clássicos de tasca. Retive, por exemplo, que «Portugal é um país de gatunos», que «Salazar não roubou», que «ninguém quer trabalhar».

        Assinalei que a nossa sociedade talvez tenha hoje menos gatunagem do que no passado, sucede que os gatunos e os corruptos estão mais expostos, as autoridades descobrem‑lhes a careca, há internet e mil canais de televisão. Redargui que não se pode comparar a ditadura, a opressão e a mordaça com a democracia e a liberdade de expressão. Um dos meus interlocutores respondeu que sempre disse o que quis. Observando que é difícil arranjar quem trabalhe quando a paga e as condições do ofício são más, terminei a réplica.

        Fiz usança de didatismo, não logrei demovê‑los dos seus lugares‑comuns.

        O que vai dito não significa ausência de preocupação com o governo da pólis em Portugal. Vejo dirigentes de fraca espécie e reconheço o dano brutal que vários homens de posição, com José Sócrates à cabeça, causaram à sociedade e à democracia. Bem assim, creio que a ideia de entregar «à justiça o que é da justiça» e «à política o que é da política» vem sendo interpretada de modo balofo e excessivamente generoso para alguns figurões. Tudo isso é pasto para demagogos e para populistas e favorece a conformação dos projetos que eles sufragam. O resultado é perigoso, muito perigoso, e concorre para a polarização no seio da grei.

        Acontece que os políticos procedem da comunidade e esta, que tanto os critica, elege e reelege Isaltino Morais e evidencia padrão duplo de julgamento, revela complacência com alguns dirigentes de partidos situados nos extremos do espetro político. Refiro um caso recente: o líder parlamentar do Chega foi protagonista de comportamentos antidesportivos durante um torneio de futebol infantil realizado no Crato. Violou regras éticas e, perante miúdos, deu um péssimo exemplo. Qual seria a reação da sociedade se, no seu lugar, estivesse um responsável político do centrão?

        Há povo que confunde veemência com insulto e vota em certos partidos em virtude de eles entoarem os cânticos da boçalidade, não tanto pelos programas dos mesmos. Por outro lado, o bom jornalismo é essencial para a democracia e eu lastimo ver meios de comunicação social que privilegiam a política‑entretenimento e a política‑espalhafato, impedindo o foco naquilo que é essencial.

        Fui ao Paço dos Cunhas de Santar com o intuito de reservar mesa para o almoço no restaurante ali existente. Já não havia lugares disponíveis, mas saí de lá satisfeito. Os dois funcionários que me receberam, antigos estudantes da Escola Superior de Turismo e Hotelaria de Seia, disseram‑me que o desenvolvimento do turismo e do enoturismo na zona vêm fixando gente à terra e têm levado muitos colegas seus a cumprir a respetiva vocação.

        A fim de sossegar o estômago, rumámos para o Zé Pataco, em Canas de Senhorim.

        Ao ver a ementa, rica e com vários pratos de pitança tradicional, arregalaram‑se‑me os olhos. Respiguei arroz de congro, arroz de tamboril com gambas, enguias fritas com açorda, polvo à lagareiro, açorda de polvo com gambas, arroz de pato, feijoada à portuguesa, secretos de porco, chanfana e arroz de cabidela preparado com galinha do campo.

        Por sugestão de quem nos serviu, pedi um bife de vitela («sola à Zé Pataco») e a Jūratė, que não come vitela, escolheu bife de porco («sola à Zé Pataco», igualmente). Arroz, batata frita e salada escoltavam os tassalhos de carne. Não menciono primores, mas posso falar de carne de boa qualidade, molho saboroso e doses abundantes. Frescas e sem cair em excessos de doçura, a baba de camelo e a tarte de lima agradaram‑nos.

        Os senhores que nos atenderam evidenciaram feitio rasgado e a clientela era heterogénea, incluía agricultores de opereta, turistas vindos da cidade, aldeões que punham gravata para ir ao restaurante e dois porcos da vara de Epicuro que acabaram a refeição ebrirridentes.

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Paulo Pego
Author: Paulo PegoEmail: jpmpego@fd.uc.pt
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