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Situado na encosta de uma colina, o castelo de Heidelberga avulta pela sua história e pela impressão visual que deixa. Ontem, vê‑lo do caminho dos Filósofos, na margem oposta do rio Neckar, com quatro olhos e na tonalidade que lhe dava um sol tímido de fim de tarde, foi o complemento ideal para afagos e outras efusões.
Hoje, a tão esperada visita. Gostei muito do edifício construído por ordem de Frederico IV, do conjunto de galerias de feição renascentista e, sobretudo, do museu da farmácia. Atreito à anomalia, seduziu‑me uma torre parcialmente desfeita pelos franceses. Num dos apêndices de A Tramp Abroad[1], Mark Twain escreveu que o infortúnio fez por esta velha torre o que fez por vezes com a índole humana: melhorou‑a. Em viagem romântica, cativou‑me Elisabethentor, porta monumental que, a mando de Frederico V — no intuito de surpreender a mulher, Isabel Stuart —, foi erguida numa noite.
De férias no Sul da Alemanha, assisti no recinto do castelo à primeira manifestação do turismo de massa (especificamente, do «turismo alarve»[2]): a visita com espalhafato de grupos, grandes e desgraciosos, de asiáticos. Atentei neles, vi modo acrítico de seguir cicerones e poses patéticas e estereotipadas para as fotografias, que incluíam esgares tontos, sorrisos alvares, abraços que não se repetem na vida íntima, dedo indicador e dedo médio a formarem um V; cansaram‑me as selfies sem fim e as rajadas de fotos que impediam a concentração do olhar e do espírito no local; buliram comigo os óculos que partiam das orelhas para a parte de trás da cabeça e não para a face, os bonés de gosto horrível, as sandálias associadas a peúgas (brancas e não só), uma guia que — por mor de um pequeno guarda‑chuva verde ligeiramente aberto, cuja armação e pano assentavam no couro cabeludo e cujo cabo, quase escondido, apontava ao céu — parecia ter a cabeça coberta com as folhas de uma couve. Martin Parr teria feito ali imagens elucidativas.
Embora a caterva tivesse maculado a visita, valeu a pena ir ao castelo. Bonito e concorde na mescla de estilos, o lugar da história ainda vai levando a melhor sobre o lugar do gentio. Na parte antiga da cidade, as casas burguesas e a prisão académica também mereceram boa nota.
Porquanto apreciador de arquitetura contemporânea, sou suspeito ao dizê-lo: se quem me lê pedir conselho relativo a Heidelberga, eu indicarei em primeiro lugar a casa da Astronomia, cercada de verde e com forma que arremeda galáxia espiral. É admirável, sem títulos de antiguidade mas com a láurea do invulgar. Não andam por lá turistas, só viajantes.
[1] TWAIN, Mark, A Tramp Abroad, introdução de Robert Gray Bruce e Hamlin Hill, Nova Iorque e o., Penguin Books, 1997, p. 381.
[2] Colhi a expressão em BESSA‑LUÍS, Agustina, As terras do risco, Lisboa, Guimarães Editores, 1994, p. 159.