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Almoçámos no Arco‑Íris, em Figueira de Castelo Rodrigo. Enquanto esperávamos a pitança, falámos com o jovem que nos atendeu e dele veio o mantra, amiúde repetido durante a nossa viagem em Portugal: é difícil recrutar gente para trabalhar, as pessoas optam por receber subsídios. Tantas vezes o escutei, cheguei a duvidar daquilo que penso — o problema não é a falta de vontade de exercer um ofício, antes os salários miseráveis e as más condições oferecidas. Só depois de um mês em terra lusa ouvi alguém, o chefe de um restaurante nas Caldas da Rainha, corroborar o meu juízo.
Saltemos para a gastronomia. Pedimos borrego da Marofa na brasa. Apareceu acompanhado por batata frita, verdura e laranja, plenamente nos satisfez. Carne de qualidade, bem grelhada, apresentou‑se com a quantidade certa de gordura. A sobremesa, também merecedora de elogio, foi uma musse de amêndoa triturada. Deliciosa, quase nos levou a repetir a dose.
Assim que eu e a Jūratė arribámos a Castelo Rodrigo, amaldiçoámos a nossa sorte. Dezenas de cruzeiristas (o leito do rio Douro não fica longe) haviam saído dos autocarros que os transportavam e aprestavam‑se para entrar na aldeia muralhada. Estugámos o passo e, já dentro da povoação, improvisámos um percurso que nos permitiu evitar a trupe.
Em Castelo Rodrigo, apreciámos o giro, o andar de pedra em pedra (o único senhor da terra com quem metemos conversa era, ele próprio, um calhau), o pelourinho manuelino e a Igreja Matriz, consagrada a Nossa Senhora de Rocamador. Por mor de corruptela, alude‑se a «Nossa Senhora do Reclamador», mas o templo foi edificado em decorrência da ação de uma confraria, que se instalou em Portugal no século xɪɪ e procedia da França, de frades devotos de Nossa Senhora de Rocamador (Notre‑Dame de Rocamadour).
A igreja, de traço românico e com torre sineira adossada ao bloco principal, terá sido edificada no século xɪɪɪ e foi alvo de intervenções posteriores. Na capela‑mor, registei o retábulo de talha, uma pintura que recria a Última Ceia e que se encontra no lado do Evangelho e, sobretudo, a cobertura dividida em caixotões — com molduras douradas e florões nos pontos de interseção — que representam santos (e não só). Da nave, recordo um retábulo que tem painéis pintados e, no nicho central, uma figura de roca.
Não achei particular encanto nos restos do palácio residencial quinhentista que Cristóvão de Moura, homem que defendeu os interesses da dinastia filipina, fez construir no castelo. O palácio do vilão que havia traído a pátria foi incendiado pelo povo em 1640.
Terminada a visita a Castelo Rodrigo, demos um passeio de carro na Marofa. Vimos paisagens bonitas, respirámos ar puro, sentimo‑nos apartados dos humanos, dos seus ruídos e da sua garrulice. E sorrimos ao conhecer a lenda que se esconde por trás do nome da serra.
Na sequência da promulgação do Decreto de Alhambra, em 1492, muitos judeus vieram para Portugal. Entre eles, contava‑se Zacuto, que com a filha Ofa se instalou na zona de Castelo Rodrigo. Por ela se apaixonou Luís, um jovem fidalgo de Cinco Vilas. E o caso era de amor correspondido. Quando se perguntava a Luís aonde ia, ele respondia, feliz: «Vou amar Ofa.» No dizer popular, daí vem a denominação daquela cadeia montanhosa.
O édito de D. Manuel I, de 1496, forçava os judeus a sair do país ou a seguir o cristianismo. Zacuto e a filha optaram pela conversão, a estória teve desenlace feliz — Luís e Ofa casaram‑se.