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Janto amiúde no Tai Hon, pequeno restaurante taiwanês próximo da minha casa. A pitança é deliciosa, o serviço é bom e os preços são corretos, tríade cada vez mais difícil de encontrar em Bruxelas. Contextualizado, o nome do estabelecimento significa «casa da generosidade» e ali há realmente largueza nas doses e no trato. Em virtude da excessiva proximidade entre as mesas, não é poiso que eu recomende para conversas íntimas ou efeitos de sedução. A clientela abarca gente de várias fomes e inclui funcionários da União Europeia com fatos de bom corte, asiáticos de estirpes diversas, belgas que fora de propósito empregam a expressão «du coup», um avejão que lê policiais e me olha de esguelha, mulheres cobertas de estampados étnicos e uma elegante jovem‑jardim (traja vestido com flores e fenda que deixa ver uma tulipa tatuada na perna apetitosa). Nos meses de temperatura amena, a casa torna‑se family‑friendly: pais e avós ganham a esplanada e a miudagem cabriola e espoja‑se na rua pedonal.
O dono, sereno e velho como o mundo, devota atenção cerimoniosa aos clientes: afora outras cortesias, deles se despede inclinando a cabeça e, às vezes, todo o busto. Quando não está a servir nem a fazer contas, fica algum tempo em pé, contemplativo, e entrelaça os dedos das mãos juntas sobre a cintura; o seu olhar fagueiro espreguiça‑se por imensidões inverosímeis naquele espaço pequeno com construção em banda defronte. A figurinha oriental delgada e de aspeto frágil, os casacos e as calças alguns números acima do necessário, o cocuruto escalvado, o cabelo ondulado no occipício, os pelos que transbordam das narinas e a densa barba branca com cavidade semicircular na zona da boca ajudam a compor aparência castiça. Consoante o arranjo da semana, a dita cavidade pode fugir para a forma elipsoide. O pelame nasal dá azo ao pior do jantar, a recordação de um homem maçador e incomodativo, meu colega de trabalho em vida pregressa, de cujos ouvidos e nariz extravasavam muito visíveis tufos de pelos. Esse é, dentre os sabores agridoces do Tai Hon, o mais amargo paladar.
No local, faço uso do som de agradecimento que trouxe da China: xié xié. Descobri hoje que o provecto patrão, senhor de vereditos justos e sensatos no meu juízo até à data, é mais atrevido do que parece — alcunhou‑me de «Xié Xié». Não sei se é chacota, se me deva sentir alvo de troça. Exercitarei a bonomia e sempre prefiro tal epíteto a «Tsingtao» e a «Camarão», fundados, respetivamente, na marca da cerveja chinesa com que ali me regalo e no crustáceo envolto em molho de beringela e alho que lá costumo comer.