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«— Bom dia.
— Bom dia.
— Noto que, muitas vezes, não fecha a porta da sua garagem.
— Como ela está emperrada, amiúde a deixo aberta.
— Feche‑a sempre, temos de impedir o acesso às nossas garagens.
— Por algum motivo especial?
— Por causa dos jovens que para lá vão.
— Eles levam o que está lá dentro?
— Não, fazem amor.
— Assim sendo, deixá‑la‑ei mais vezes aberta, gosto de ver pessoas felizes.»
A fixação no sexo e nas conquistas dos outros encanita‑me. É própria de invejosos e de criaturas insatisfeitas com a sua vida íntima. Grande parte das chufas que Dominique Strauss‑Kahn ouviu proveio de puritanos intragáveis, que substituíram um código penal por um código moral (vale a pena recordar que a salacidade não é crime), e de gente seca e cobiçosa das suas artes de lovelace e de libertino. Do mesmo jeito, a censura a François Hollande teve mancha ampliada em virtude de ele ter sido capaz de seduzir Julie Gayet, Valérie Trierweiler e Ségolène Royal, mulheres lindas e elegantes. Abstenho‑me de emitir aqui juízo acerca de Manuel Maria Carrilho, digo apenas que, numa certa fase do seu percurso político, muitos carregaram nas tintas da crítica por inveja do homem que soube cativar a belíssima Bárbara Guimarães.
No Otelo, Emília qualifica o ciúme de monstro que a si mesmo se cria e de si nasce, os que têm ciúmes não necessitam de causa para os sentir[1]. E isso também acontece com a invídia. Lastimo que assim seja. O saber de alcova está ao alcance de qualquer um. No sexo, a satisfação depende de quem o faz — adultos livres, pressuponho —, o tálamo e os lençóis dos outros merecem descaso. Ninguém nasce «bom amante», o bom amante é, sobretudo, o que se esforça por sê‑lo.
Cada leitor dará a este texto a sequência que quiser. Enquanto homem heterossexual, tomo a liberdade de recomendar a leitura de Hot Sex[2] e, principalmente, de uma obra que há mais de um decénio é a minha bíblia para assuntos libidinais: Tu sexo es tuyo[3]. Na esfera literária, sugiro Aventuras galantes[4], nove contos lúbricos de Rabelais (pseudónimo de Alfredo Gallis).
Os temas tratados em Hot Sex (entre outros, a masturbação, os preliminares, a cópula, o orgasmo e as fantasias) não são originais, encontram‑se em escritos do mesmo género. O trunfo do livro é o modo de combinar o informe sério com um registo simples e divertido, daí resulta um texto instrutivo que serve a noviços e a peritos. Achei curioso o trecho em que Cox valoriza a masturbação. A fazer fé na autora, muitos a praticam e quase todos a escondem. O capítulo sobre etiqueta sexual foi‑me útil, não pelas interrogações que lá vi — algumas até se me afiguraram pueris —, mas por recordar a conveniência de cumprir certos preceitos no trato com as senhoras, para quem o sexo é assaz contextualizado.
Tu sexo es tuyo promove o empoderamento feminino em matéria de sexo e mostra que ele contribui para a dita do casal, na cama e fora dela. De leitura fácil e com passagens cheias de humor, integra bases de anatomia, alvitres de vários tipos, um magnífico catálogo de posições sexuais e uma benfazeja chamada relativa à importância dos exercícios de Kegel. O rol de bibliografia fez‑me adquirir livros que ajudam a aprimorar as artes, com gosto os guardo na minha pequena biblioteca de sexologia.
Quanto aos contos eróticos incluídos em Aventuras galantes, eles não criam mestres do coito, mas têm graça, provocam tesão e desviam a gula da cama alheia.
[1] Cf. SHAKESPEARE, William, Otelo (A Tragédia de Otelo, o Mouro de Veneza), tradução e prefácio de Daniel Jonas, 1.ª edição, Ribeirão – V.N. Famalicão, Teatro Nacional São João e Edições Húmus, 2018, p. 125.
[2] COX, Tracey, Hot Sex, tradução de Valérie Morlot e Fabienne Lefranc, [s.l., mas impresso em Turim], Marabout, 2000.
[3] BÉJAR, Sylvia de, Tu sexo es tuyo, 4.ª edição, [s.l., mas impresso em Sant Andreu de la Barca (Barcelona)], Debolsillo, 2005.
[4] RABELAIS, Aventuras galantes, posfácio de António Ventura, Lisboa, Edições tinta‑da‑china, 2011.