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Num clima de confinamento, o nosso cérebro saliva ansioso por um depois, a fim de poder saborear o gosto da liberdade. Já esquecemos como vivíamos antes e, angustiados, colocamo-nos questões ingénuas, tais como, saberemos ainda conduzir o carro, andar de bicicleta, poderemos ainda andar de avião?
O nosso cérebro continua a trabalhar e a estabelecer o registo dos desejos, uma espécie de bloco de notas do que nos falta, daquilo que esperamos ver, rever e verdadeiramente fazer com os familiares, amigos, colegas, vizinhos, e não comunicar com eles apenas através da janela dos telemóveis.
Depois desta tragédia, irei fazer o caminho de S. Tiago de Compostela e pensarei nos nuestros hermanos que morreram neste combate desigual na luta pela saúde. Passarei por Barcelona. Entrarei na Igreja da Sagrada Família e, ajoelhado, reconhecerei que não sou nada nesta vida e que num próximo vírus será a minha vez.
Depois, irei até Itália. Ao passar a fronteira, sentar-me-ei no primeiro restaurante que encontrar e pedirei um prato de spaghetti à la bolognaise, o meu prato preferido. Não poderei mostrar a minha efusiva alegria de me encontrar num país que tanto gosto, com o medo de magoar a dor que certamente irei encontrar em cada família. Sim, a Bérgamo irei para exorcismar as imagens dos montões de caixões que não me deixam dormir. Irei a Roma, e na Basílica de S. Pedro, em frente à estátua da pieta de Miguel Ângelo, fixarei o rosto da mãe de Cristo e dos meus lábios brotará o lamento do máximo desespero: meu Deus por que nos abandonaste?
Depois, irei visitar os túmulos dos familiares a quem não pude dar uma palavra de reconforto, acariciar o rosto ou a mão e nem sequer fazer um aceno de longe como último adeus. Terei necessidade de um tempo de luto e de lágrimas para limpar tanta dor. Que maldição caiu sobre os nossos pais e avôs que estão a morrer tão sozinhos para salvar aqueles a quem deram a vida?
Depois, não poderemos esquecer de prestar a devida homenagem a estes anciãos. E no monumento que lhes deve ser erigido, inseriremos um epitáfio de merecido e eterno reconhecimento:
Aos valentes idosos que deram o ventilador aos mias novos, preferindo deixar-se morrer!