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(Pareceu-me particularmente significativo publicar este texto no Jornal LusoEU, atendendo a que trata de uma autora que, ligada a Coimbra, Évora e Lisboa, é publicada por uma editora que se reparte por Portugal, Brasil e Galiza, assim proporcionando às línguas portuguesa e galega uma viagem cultural de além-mar. Já tenho aqui falado de artistas e autores europeus. Hoje, através do LusoEU voarão também os versos de uma magnífica poeta portuguesa, a outros lugares onde a comunidade se deslocou. Sendo uma poesia aparentemente intimista, ela exprime, nas suas entranhas, as inquietações do mundo ocidental.)
De um modo geral, todos os livros e particularmente toda a poesia são pontes ou veículos para o desconhecido e para aquilo que conhecendo-se, se procura ignorar, mas alguns são-no ainda mais do que os outros.
Já não deveria ficar surpreendida com um novo livro de Maria Azenha. Ainda assim fui tomada pela surpresa com que me surpreendi.
A Loucura das Facas é uma poesia das profundezas sem pudor das palavras. Sem gavetas. Ali, os mitos convivem naturalmente com o quotidiano e as metáforas não são brancas nem banais. Livro cheio de lágrimas secas e de alquimia sem limites que não evita a lama das sarjetas como as da alma, onde o céu é revisitado (ou assaltado?) com um olhar desenganado e a noite espreita de todos os lados rivalizando com as cores cruas, carnais e ensanguentadas do dia.
É uma poesia de despertar, gritando desesperada e serenamente aos adormecidos. Tira-lhes o chão, desmascara-lhes o céu, ostenta-lhes o fim, desmancha o mito da criança desfazendo-lhe a trança.
Maria Azenha escreve como quem retira tapetes de sob os pés do mundo. Não há refúgio a não ser no poema. E mesmo assim…
Os temas poderiam ter sido inspirados pelos horrores lidos nos títulos dos jornais que deles vivem. Na verdade, na secreta vida de cada um. Os corpos desventrados são esquartejados em versos. Ainda assim, cintilam. Passam-se páginas julgando não ser possível mais espanto. Contudo, o tranquilo desassossego permanece. Até ao último poema. O ritmo é o da metáfora. Nunca banal. Coloquial e ao mesmo tempo alada. Soprando versos vivos incandescentes.<
Este livro, vindo a lume em 2021, filho do confinamento, abre caminhos através do horror. Com facas que são versos enlouquecidos.
Uma vez fechado, esquece-se o sangue. A memória é de beleza. É essa a sua magia.
A bela e dolorosa capa de Elisa Scarpa prepara-nos para estes versos. A edição da Urutau é cuidada e para eles discreta e sobriamente conseguida.
Risoleta C. Pinto Pedro