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Queridos amigos ofereceram-me, recentemente, o romance de Georges Rodenbach, BRUGES-A-MORTA. Aníbal Fernandes, o tradutor, recorda, na introdução do livro, casos de terras que apresentam, para se distinguirem no nome, o qualificativo de-Cima ou de-Baixo, o Novo ou o Velho. Nestes casos, toda a colectividade aceita e reconhece natural e administrativamente a terra assim nomeada. Não é o caso de Bruges, cujo qualificativo exposto no título é exclusivo da personagem. Contudo, não tenho a certeza que não haja terras e pessoas unidas por um qualificativo que apenas alguém, intimamente ou não, atribui a esse lugar, por corresponder à vivência ou à característica que lhe atribui. Não me seria difícil pensar em todas as terras onde vivi, e não foram poucas, atribuindo-lhes um qualificativo. Contudo, nunca tal me ocorrera até surgir este romance. Não conheço Bruges, mas um dia hei-de lá ir, a ver se a personagem ou o autor têm razão no nome que lhe dão. É que há dois planos no romance: o da saudade da mulher amada morta, e esse é largamente explicitado na narrativa, e o outro é o da cidade, o que permanece ao nível da sugestão. Há uma mulher que de facto partiu, e existe uma Bruges que foi centro comercial de renome ligado ao Mar do Norte por um canal chamado Zuryn, até ao século XV, antes de as marés fazerem desaparecer o braço de mar, pelo recuo das águas, o que alterou completamente a fisionomia e a vida de Bruges. Há como que uma cidade morta submersa sob as desaparecidas águas, diria até, paradoxal e impropriamente, soterrada sob as antigas águas. Talvez nem todos a sintam, mas ela foi trazida à tona pela pena do escritor sob o pretexto (ou será o contrário?) da saudade do amor.
Rememora o acima citado tradutor, um texto de Rodenbach publicado no Figaro no ano em que nasceu Pessoa e cinco antes de escrever este romance, que Bruges faz parte do grupo das cidades que tendo vivido tempos gloriosos, se apresentam hoje «rígidas e com ares decadentes» exibindo monumentos e brasões, voltando-se para o misticismo. Dá como exemplos algumas cidades na Flandres flamenga, e refere o silêncio de província, a miséria e a melancolia, como Ypes, Furnes e Courpati, Audenerde, reinando entre elas no auge da decadência, a cidade de Bruges, que depois de ter sido rainha na Europa, se vê destronada, esquecida, pobre, solitária e taciturna. Sente-se a comoção e o amor por esta terra tornada anémica pela falta das águas, resta saber se hoje estas cidades se mantêm como ali são descritas, ou se voltaram à vida, mas temos também, em Portugal, cidades que depois de terem vivido momentos de glória se acolhem agora à sombra de um turismo mais ou menos místico. Não sei se podemos falar em decadência ou no orgânico processo natural de apogeu e decadência, para um novo renascimento. Nas cidades, como nas pessoas. Trabalho de séculos.