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Um percurso a pé junto ao rio em dia de muito calor.
Depois de deixar o filho na estação de comboios rumo ao Algarve com os seus amigos, decidiram partir em direcção a Ponte de Lima para fazer mais uma caminhada a pé na companhia do cão Charlie. Ele estava sempre na expectativa de sair com os donos. Depois de subir para a mala do carro, ele tratou de criar uma sombra com um pára-sol reflector para impedir o aquecimento excessivo, pois o sol já ia alto.
A ideia inicial seria percorrer a pé a ecovia entre Ponte de Lima e Ponte da Barca, ao longo do rio Lima. Cerca de 16 quilómetros cruzando a auto-estrada do Minho A3, passando por Talharezes, pela Carrapata e Bravães até chegar à Ponte da Barca.
No entanto, porque a parte inicial do percurso tinha poucas sombras e se afastou do rio, arriscava a ser uma caminhada penosa debaixo do calor.
Desistiram e decidiram mudar de planos.
Partiram em direcção às margens do rio Vez, deixando o carro no parque, frente à praia fluvial dos Arcos de Valdevez e iniciaram a caminhada rumo a norte, com destino a Gondoriz, onde existiu o Bar do Rio, agora destruído por um incêndio ocorrido em Março deste ano.
A vantagem daquele percurso é que seguiriam sempre junto ao rio debaixo da sombra proporcionada pela copa das árvores.
Mas algo surpreendentemente triste estava para acontecer.
Mais à frente, já em plena ecovia do Vez, libertaram o cão para passear à vontade, embora ele preferisse que o animal os acompanhasse lado a lado.
De um dos lados estava o rio e do outro surgiam pequenos campos de pasto onde repousavam vacas ou cavalos. O cão entusiasmava-se com aqueles animais e desatava a ladrar de excitação. Mas daquela vez estava calmo e prosseguia o passeio alegremente. Sempre que podia aproximava-se da água para se refrescar e beber um pouco.
Foi num desses momentos que ela reparou em algo estranho.
As margens do rio Vez estavam demasiado expostas, porque o caudal do rio seguia demasiado baixo, com pouca água.
Era assustador perceber como a falta de água podia mudar radicalmente a paisagem. As plantas aquáticas estavam mortas e aumentava o risco da poluição pelo caudal reduzido de água.
Continuaram a caminhada e a paisagem do rio revelava-se desoladora. Passaram pelo açude e a água apenas corria junto ao moinho. Havia perdido a beleza natural da água passar por toda a extensão da presa, proporcionando aquela imagem de massa de água a passar pelas pedras, tornando-a mais oxigenada. Nada daquilo existia agora.
Subiram mais um pouco, caminhando sempre à sombra da das árvores e ouvindo tímido regatear das águas que agora correm mais lentamente, como se estivessem destituídas de força para percorrer o leito. A sinfonia da água deixou de se ouvir.
Por fim avistaram a ponte antiga junto ao Bar do Rio, sinónimo do final daquela caminhada. Ele prendeu o cão e atravessaram a ponte em direcção ao bar do rio. Ele ainda tinha uma leve esperança que o bar tivesse reaberto, ainda que em instalações provisórias. Aquele bar já funcionava ali há quase vinte anos, mas agora estava deserto. Não se via vivalma. O Charlie correu desenfreadamente atrás dos gatos que por ali andavam, sempre existiram, mas não teve sorte, porque eles sabiamente subiram para as árvores e escalaram a encosta por trás do bar.
As instalações estavam circundadas por um taipal verde-escuro a fim de impedir a desgraça de fumo negro marcada nas paredes em alvenaria que resistiram ao calor das chamas.
Visto daquela maneira, sem as divisórias e paredes, parecia um espaço pequeno, desolador e despido de qualquer decoração. Era possível perceber a zona da cozinha, a zona de atendimento, a entrada para as casas de banho, a zona com o bilhar e as mesas no interior com vista para o rio. Tudo aquilo desapareceu, provavelmente num ápice, enquanto o diabo esfrega um olho.
Agora só resta a incerteza quanto ao futuro de um espaço que atraiu muitas pessoas, que gerou inúmeros comentários de agradecimento e satisfação nas redes sociais, que proporcionou lindas festas tendo o rio como cenário.
Fechou aquele capítulo e dirigiu-se à Praia Fluvial de Pontelhão de Pogido, mesmo ali em frente ao bar. Estendeu a toalha debaixo do sol da tarde e entrou na água.
A temperatura da água estava incrivelmente boa demais para acreditar que aquele era o mesmo rio por onde desceu uma corrente com água gelada.
Depois de molhar os pés, entrou na água até ao pescoço. Mas dado nível baixíssimo da água, teve que se deitar para poder ficar submerso. Na verdade, de pé, a água dava pelo joelho. Ao ficar submerso e imóvel na água, os pequenos peixes começaram a aproximar-se até lhe fazerem cócegas na pele. Parecem os peixes garra rufa que comem as peles mortas dos pés. Após um longo banho, foram estender-se na toalha para absorver aquele sol macio da tarde.
Estava na hora de regressar à vila, pois teriam que chegar a tempo de voltar a provar a deliciosa posta de cachena. À medida que desciam o rio, o tempo esgotava-se. Nem mesmo acelerando o passo lhe permitiria chegar à hora marcada. Mesmo assim conseguiram chegar à vila apenas dez minutos depois da hora marcada. Cansados, cheios de pó e com um a arrastar pela rua conseguiram chegar ao restaurante. Sentaram-se numa mesa no exterior e o cão estava tão estafado que nem deu conta pelo cheiro da carne que estava a ser servida. O cão estava literalmente estendido na rua. Só a meio do jantar é que arranjou forças para se levantar e pedir um pouco de carne. O animal cumprimentava as pessoas das outras mesas abanando a cauda e mostrando um focinho sorridente com a língua a descair para um dos lados. As pessoas achavam graça e faziam-lhe festas na cabeça. Claro que ele queria era mais um pouco de comida, mas felizmente os outros comensais não perceberam o seu propósito e continuaram a comer.
De regresso a casa, com o ar condicionado bem fresco para uma condução esperta, se completou aquele dia cheio de emoções, desilusões e esperança que um dia tudo volte ao seu lugar.
Se gostou deste artigo, talvez queira ler Pelo Trilho das Azenhas de Antas. 25-07-2022 João Pires