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Participei, recentemente, numa mesa-redonda sobre Agostinho da Silva, a propósito do lançamento de Vida Conversável, uma notável conversa entre amigos posta em livro (Agostinho da Silva e Henryk Siewierski), sobre a sua presença no Brasil, e a influência que essa longa estadia deixou no seu uso da língua, oral ou escrita. Sobre isso, referi as suas muitas viagens, nomeadamente ao Japão, onde os portugueses que por lá passam testemunham o respeito, afecto e cuidados de preservação que os japoneses transportam ao longo de séculos relativamente às marcas deixadas pelos portugueses na sua cultura. Na altura, foi-me perguntado quais teriam sido as marcas da cultura japonesa no português, ao que eu respondi serem em muito menor grau do que o oposto, mas comprometi-me a ir investigar. O que fiz. E confirmei. E como este é um jornal das e para as comunidades, faz todo o sentido que traga para aqui alguma coisa do que encontrei.
Se na língua portuguesa os vestígios do japonês pouco ultrapassam as duas dezenas, com exemplos conhecidos como biombo, catana, chávena ou caqui, já as palavras de origem portuguesa na língua japonesa terão chegado, nos séculos VVI e XVII, às quatro mil, e hoje as opiniões dividem-se entre as muitas dezenas e as quatrocentas. De qualquer modo, a reduzidíssima lista que consigo, de imediato, reproduzir de cor, aqui deixando de fora muitas palavras, é bastante respeitável:
Biidoro (vidro); botan (botão); iesu (Jesus); iruman (irmão); kandeya (candeia); kapitan (capitão); kappa (capa); kirisuto (Cristo); miira (mirra); ombu (ombro); oranda (Holanda); sabato (sábado); shabon (sabão); shöro (choro); tabako (tabaco); banana (banana); marumeru (marmelo), pan (pão)… e tantas, tantas outras.
Uma investigação mais rigorosa afirma que arigatô, ao contrário do que se pensa, não tem a ver com o nosso obrigado, é uma outra coisa. Mas já o célebre pão-de-ló de Nagasaki (castella, ou kasutera) é a nossa receita, para ali levada. Mantém-se praticamente inalterável, apenas com uma ou outra originalidade ou requinte, como o acrescentar chá verde.
Há ainda a tempura, forma de cozinhar que consiste em passar-se um polme feito de ovo, água, sal e farinha, antes de fritar peixe ou vegetais, e que os portugueses levaram para o Japão, pois era o que cozinhavam por altura das têmporas, período de três dias de jejum no início e no fim de cada estação. A palavra é latina, e significa “estações do ano”, mas passou a designar apenas estes dias de transição entre uma estação e outra, dedicados à oração e penitência. Os japoneses olharam para este costume com espanto, mas acabaram por adoptar a forma de fritar, que adquiriu o nome atribuído aos dias de jejum. Todos os praticantes da macrobiótica, regime alimentar com origem e ligação forte ao Japão, conhecem muito bem a tempura, modalidade culinária acima detalhada.
Impossível, também, não referir os biombos namban, e a imagem aí projectada dos portugueses, com seus protuberantes narizes, o que já de si diz muito sobre a distância que vai entre o olhar e a realidade, e a forma como o nosso cérebro “lê” aquilo que “vê”.
A emoção que se sente no Japão em relação a Portugal, pode ser observada, também, em Goa, traduzindo-se num enorme de desejo de acesso a livros, bibliotecas, eventos relacionados com a língua e a cultura portuguesas.
E Portugal, que tem feito com todo este imenso potencial? Quase nada. Na verdade, a nível oficial, umas formalidades para não se dizer que não aparece, mas medidas de fundo, o ir ao encontro das pessoas, dos seus desejos e necessidades e vontade de fazer…. estamos conversados. Em algumas situações, procedemos como sendo os nossos piores inimigos.
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