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Em Belmonte, pedi licença para me sentar junto de ciganas que conversavam na rua, sentadas em cadeiras e degraus. A cavaqueira que se seguiu teve a virtude de desfazer ideias erradas que eu tinha a propósito da vida dos zíngaros.
Natália, Anabela (Nadim), Fabiana e Maria Lourenço (Lomira) asseveraram‑me que os membros da comunidade gitana escolhem livremente os seus parceiros, podem casar‑se ou viver em união de facto com pessoas estranhas à etnia, têm acesso ao divórcio. Fizeram‑me ver que os ciganos deixaram de ser nómadas, mas Natália, septuagenária, ainda se recordava de, na infância e na adolescência, ter morado numa carroça.
Afeiçoadas às tradições, mostraram‑me como as presentificam: Natália, Nadim e Lomira, viúvas, traziam cabelo curto e vestiam roupa negra, garantiram‑me que sempre porão luto.
Por discrepâncias nas fontes de estudo, subsistem dúvidas acerca da origem da comunidade judaica de Belmonte. É certo que, em razão do édito de 1496 assinado por D. Manuel I — obrigava os judeus a sair do país ou a converterem‑se ao cristianismo —, muitos judeus permaneceram em Belmonte, enquanto cristãos‑novos. Perseguidos pela Inquisição, em segredo cultivaram a sua fé, tornando‑se criptojudeus.
Calcorreei as ruas da antiga judiaria e, na Sinagoga Bet Eliahu, inaugurada em 1996, falei com Carlos, tesoureiro da comunidade judaica local, a única puramente sefardita do país. Agrega 48 membros, menos do que no passado, e o respetivo rabino nasceu em Marrocos. Vários judeus belmontenses emigraram para Israel, já para arranjar parceiro com a mesma crença, já para conseguir emprego. Houve idosos que para lá foram a fim de se juntar aos filhos. Se fosse mais novo, Carlos também para lá iria, por razões económicas e por acreditar que todo o judeu pertence à terra de Israel.
O Museu Judaico apresenta informação acerca do judaísmo, nomeadamente em Portugal e em Belmonte. Nas minhas fotos, fixei um suporte para missal, do século xvɪɪ, com as armas da Inquisição, e ainda duas peças usadas durante a Chanucá (Festa das Luzes), a saber, um candelabro da Christofle, de 1994, e uma lâmpada para óleo que tem sopro marroquino e talvez date da Idade Média.
Hospedei‑me no Belmonte Sinai Hotel, estabelecimento que se anuncia habilitado a receber judeus. Para evitar a utilização de dispositivos elétricos durante o sabat, é possível abrir as portas dos quartos de jeito manual, com chave. Outrossim, da Torá decorre que os judeus só podem comer carne de ruminantes que tenham cascos fendidos e animais aquáticos dotados de escamas e de barbatanas. Ficam de fora os moluscos, o marisco e o porco, o restaurante do albergue não os serve. Acontece que, segundo me explicou o supracitado Carlos, falta um mashguiach, supervisor que assegura o cumprimento dos preceitos do regime alimentar kosher. Deste jeito, tal adjetivo não é idóneo para qualificar o passadio ali proposto.
No que me toca, gostei muito do Belmonte Sinai Hotel. Nele comi bom peixe, com apuros regionais ou criativos, e desenjoei‑me de carnes e enchidos beirões. A novidade foi o pudim de queijo da serra, feliz combinação da textura do pudim com o sabor forte do queijo. Os membros do pessoal revelaram‑se simpáticos e solícitos, o meu quarto era confortável, funcional e denotava bom gosto. Abria para a serra e para o rio Zêzere, tinha vistas bonitas. De noite, as luzes das aldeias vizinhas tremeluziam como chama de velas e parecia que salpicos de cor amarela varavam o breu.