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1. Alcongosta é, quiçá, a capital da cereja no meu país. Se o não for, andará perto disso. Na freguesia, os cerejais preponderam e oferecem espetáculos de cor na primavera, quando trajam de branco, e no verão, quando a garridice do fruto ressai da folhagem verde.
Fui a Alcongosta com o intuito de visitar a Casa da Cereja, instalada no edifício de uma antiga escola primária. Nesse espaço museológico que faz bom uso prático e estético da madeira, abunda a informação relativa a assuntos como o ciclo de vida da cerejeira, os tipos de cereja e a respetiva proveniência, a importância de tal fruto para a saúde humana e para a economia do concelho do Fundão. Porque ele tem magna tradição em Alcongosta, há uma exposição permanente que versa sobre o trabalho dos cesteiros e dos esparteiros.
Depois de sair da Casa da Cereja, conversei com António, um dos artesãos que resta naquelas paragens. Outrora, em feiras mercadejava os artigos que produzia. Hoje, por problemas de saúde e diminuição da procura, só os vende em casa. Regurgitando de orgulho, mostrou‑me fotografias das suas obras e da sua participação em certames. Embora amolecido pelo calor e pelo cansaço, com desvelo atentei nas imagens — elas agarravam‑no à vida, eram a mais preciosa das sínteses.
2. Castelo Novo fica numa encosta da serra da Gardunha rica de penedia, codesso, giesta e rosmaninho. A aldeia é reino da pedra, do granito em matizes diversos.
Na manhã que lá passei, as casas de Deus estavam fechadas. Concentrei‑me na lagariça e noutras construções (castelo, Casa da Câmara, solares). A lagariça é um vestígio do comunitarismo de antanho, compõe‑se de duas pias escavadas na rocha. Uma terá servido para pisar uvas e a outra para a recolha do mosto. Os degraus que lhe dão acesso são largos, assim se simplificava a subida com carrego. O castelo foi erguido no reinado de D. Sancho I e, posteriormente, alvo de reformas e acrescentos. Pela elegância, nele sobressai a Torre do Relógio. Mercê do ponto alto em que se encontram, avultam as ruínas da Torre de Menagem. De traço românico e talvez construída no tempo de D. Dinis, a Casa da Câmara recebeu depois adornos manuelinos (esfera armilar, pedra de armas, cruz de Cristo). Um chafariz de três bicas, do século xvɪɪɪ, está adossado à respetiva fachada. Em conjunto com o pelourinho e com alguns imóveis de feição beirã, a Casa da Câmara transforma a praça central no pedaço mais fotogénico de Castelo Novo.
Por causa da prevalência do granito, o edificado de Castelo Novo revela mesmice e harmonia. Em toda a aldeia, só vi uma nota de real extravagância: as pernas do jovem Emídio Teixeira, avonde tatuadas. Exibiam um rosto de mulher, carantonhas, um farol, um castelo, um gato numa taça de sopa, um cavalo marinho, motivos vegetalistas e outros que não sou capaz de identificar.
Boa hora palrei com José, terrantês que fez vida em Sesimbra e que, reformado, divide o seu tempo entre a povoação natal e a vila costeira. Direcionei a conversa para a fixação de gente no interior. José contou‑me que, em Castelo Novo, fecharam as mercearias, as tabernas e, por fim, o talho. Tampouco há farmácia. Ele vendeu as terras que ali tinha. Ainda ponderou a compra de outras, mas, no momento em que soube o preço dos trabalhos de sapa, desistiu. Parece que só gente patacuda pode pagar a sapadores. A sua sobrinha quis abrir um negócio de artesanato na aldeia. No entanto, confrontada com estafante burocracia, atirou a toalha ao chão.
José desfiou memórias. Lembrou‑se do pagamento do quinto dos cereais e de, nos arredores da aldeia, se proceder ao cultivo de centeio, trigo, milho e feijão. Atualmente, por falta de pessoas e de pecúnia, não é assim. Restam oliveiras cujo fruto terá préstimo na feitura de azeite destinado a consumo dos proprietários.
No restaurante familiar O Lagarto, tanto o atendimento como a comida me satisfizeram. O primeiro acendeu em mim a facha do otimismo. Fui servido por Maria, jovem simpática e expedita, herdeira do estabelecimento agora dirigido pela mãe. Julgo‑a capaz de assegurar a sobrevivência do restaurante, de ser útil ao interior do país. No que tange ao cibo, o creme de alho‑francês, os lombinhos de porco com picle (cereja) — um dos emblemas da casa — e o arroz‑doce mereceram a minha placença. Para futura ocasião fica a fraldinha de bovino com pêssego, figo e feta.
3. Que dizer de Alpedrinha? Situada na falda da serra, arruma‑se em calçadas inclinadas, é cortada pela EN18 e pareceu‑me ser terra de muito movimento de pessoas e bens. O seu cariz rural cruza‑se com o passado aristocrático que à vila legou moradias patrícias.
Porquanto crianças nas entranhas do país são recurso escasso e precioso, alegrei‑me com a digna aparência do Externato Capitão Santiago de Carvalho e com o bulício que havia diante da respetiva entrada. A presença dos catraios era conciliante e funcionava como fator de esperança.
A respeito de património, agentes turísticos e brochuras miúdam recomendações acerca do Palácio do Picadeiro. É bonito, sim, e a sua localização favorece‑o. No entanto, está encerrado ao público e deixa o forâneo a salivar pelas suas salas. São bem melhores as memórias que guardo da Igreja da Misericórdia e da Igreja Matriz. A primeira exibe frontaria elegante e, lá dentro, belo retábulo‑mor, de talha dourada, e dois retábulos laterais com atraente decoração policroma. A segunda congrega encantos na capela‑mor: o retábulo gracioso, o órgão de tubos e as pinturas do teto.
Na Igreja Matriz, travei conhecimento com Cristina, que ali tratava das limpezas e com prestimosidade fraterna me deu explicações acerca do templo. Alpetriniense, um enfarte forçou‑a a deixar o emprego stressante que tinha numa loja de telecomunicações. Sobrou‑lhe enlevo ao falar de Alpedrinha e eu fiquei com a lição — a alma que sem refolhos está ligada à terra aligeira os embargos da interioridade.