Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Um pedido da Jūratė levou‑me ao mercado de Natal de Monschau, pequena terra no vale do Rur. Nas cercanias, colinas com muita árvore que o frio hiperbóreo do início de dezembro empertigava. Para o encanto do seu centro histórico concorrem as ruas picturais, as frontarias estreitas, as casas com madeiramento à vista, os telhados de ardósia, o curso de água. Merece referência o imponente edifício do século xvɪɪɪ que foi domicílio e local de negócio de Johann Heinrich Scheibler, fabricante e comerciante de tecidos, agente da subida reputação que os têxteis de Monschau lograram além‑fronteiras. Nele avulta uma magnífica escada de caracol, feita de carvalho, que serve três andares e exibe, esculpidas no guarda‑corpo, 21 representações de diversos estádios da produção de fazenda. Outrossim, durante o período de Natal vale a pena espreitar a casa Troistorff, igualmente construída no século xvɪɪɪ para um empresário do setor têxtil, pois o adorno das respetivas janelas transforma-a num vistoso calendário do Advento.
Naquele sábado, Monschau estava tomada por hordas de visitantes.
Abancámos para almoçar na sala de refeições de um hotel de gerência familiar, o Altstadt‑Post. Aqui, à semelhança do que sucede em muitos restaurantes rústicos da Alemanha, a decoração inclui adereços kitsch (que não são mal-apanhados e ajudam a compor a atmosfera própria do lugar): bruxas suspensas sobre o balcão, estatuetas do Bucha e do Estica com jaquetas vermelhas, um grande mealheiro em forma de porco branco malhado de preto. Pippi‑Schwein, o reco, reclama 1 euro aos transeuntes que queiram fazer uso do quarto de banho. A ojeriza que eu vi no rosto da mulher hirsuta que nos atendeu acrescentava malquerença ao descontentamento que a vida já nele havia estampado.
Ainda frescos, caminhámos, bebemos Glühwein, perlustrámos o sortido de stands da feira natalícia, de pastelarias e do Wilhelm Maassen, famoso negócio de comércio e torrefação que, afora ter para venda café e produtos de cuja composição ele faz parte (cervejas, licores, chocolates), celebra a cor: entre outras, vi uma máquina de café cor‑de‑rosa, uma vermelha, uma cor de açafrão, uma verde‑alface e uma azul‑bebé. Mas cedo nos fartámos de pessoas aos magotes defronte dos expositores, de ruas pejadas de gente em que nos movíamos como carneiros em rebanho, das filas de seres enrudecidos e de disputas para entrar nos sanitários, de comerciantes antipáticos e saturados de trabalho, de turistas e terranteses possuídos da bílis que se sente em paragens fustigadas pelo turismo de massa. No dia frio, recordei as marginais à pinha de estâncias balneares onde passei férias e de que hoje fujo a sete pés. Ao cansaço físico juntou‑se o da veia estética. O mau gosto sobressaía e aferrava‑se aos costumeiros chifres de rena, aos gorros (ushankas) que somas e subtrações transformaram em cabeças de javali, às estranhas carapuças de que pendiam compridas abas com luzes. A repulsa cresceu ao ver, com alguns desses atavios, cinco homens, fungíveis na sua alarvice, que em grupo passeavam um cão. O canídeo nada tinha para além da pelagem e, no contraste com os burgessos, induzia adesão e criava empatia.
No âmbito de uma disciplina do curso de fotografia que frequento, terei de apresentar uma série de fotos feitas à maneira de um fotógrafo arrolado pelo professor. Fã da fotografia humanista, elegi August Sander. Também pensei em Lewis Hine, mas, felizmente, no mundo ocidental as crianças já não trabalham nas fábricas e os telhais dos Esteiros de Soeiro Pereira Gomes perderam‑se no tempo. Aluna do mesmo curso, a Jūratė optou por László Moholy‑Nagy. O acaso conduziu‑nos a Monschau quatro dias depois de informarmos o professor das nossas escolhas, que nos motivam e de que não nos arrependemos. Quiséssemos nós tomar Martin Parr como modelo, teríamos voltado a Monschau no fim de semana seguinte.