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Há uns anos, aquando de uma das várias visitas que anualmente fiz à ARCO de Madrid com um grupo de professores e alunos da minha escola, visita que abrangia vários dias e não se limitava à ARCO, mas às mais interessantes galerias de arte de Madrid, vi uma exposição sobre pintores simbolistas que me impressionou pela beleza e mistério, e nunca mais me deixou indiferente a esta pintura.
Já não estou segura dos nomes que ali vi representados, mas iria jurar que Delville, de quem já aqui trouxe uma obra, “A Escola do Silêncio”, e que mencionei superficialmente, era um deles.
Nascido em Lovaina em 1867, com formação em Belas-Artes e frequentes visitas a Paris, o estilo movimenta-se do realismo para o simbolismo, onde assume, verdadeiramente, a sua originalidade. Por outro lado, o contacto com escolas esotéricas como o Martinismo e o Rosacrucianismo não o deixa indiferente, e contribui para o ambiente estético e espiritual da sua obra: misteriosa, alegórica, idealista e poética. Foi igualmente tocado por Eliphas Levi, Blavatsky e Annie Besant, assim como pela obra de Dante, Maeterlinck e Wagner.
No desenho e na pintura, a que reconhece a mesma dignidade e onde é igualmente talentoso, a importância filosófica que atribui à linha, a base do desenho, está patente:
A arte começou com o desenho, a linha, e a Linha é a alma do Equilíbrio, a própria essência da forma. Acrescenta, ainda, ser o desenho a prova do génio.
Exactamente o contrário de alguma tendência nossa contemporânea, onde se afirma (e não invento, foi-me dito) ser a mestria do desenho dispensável para o exercício da arte visual.
Não tomo partido, mas tenho a minha íntima simpatia pela convicção de Delville. Que vai mais longe, pois vê a linha, enquanto arte, como mediadora entre a matéria e o Espírito, dizendo que na Natureza, a linha é a assinatura de Deus.
A sua sólida técnica, alimentada pelo estudo dos clássicos em Roma e Florença, mereceram o respeito dos seus contemporâneos, tendo obras em vários edifícios públicos, nomeadamente no Palácio da Justiça, em Bruxelas, em cuja Academia das Belas-Artes leccionou como professor. Mas também na Escola de Arte de Glasgow. Não se ficou por aqui, tendo abundantemente levado a arte do traço até artigos em periódicos, ensaios sobre arte, e criação poética, de que trago aqui apenas uma estrofe, devido à extensão:
O Livro Sagrado
«Voluteando o dourado das páginas com minhas fervorosas mãos,
Como se meus dedos puros percorressem a luz,
Ó imenso e luminoso livro, tua poderosa prece
Desdobra, na minha noite, o místico tesouro!
[…]»
Não pretende este artigo transformar-se num ensaio sobre Delville, até por me faltar saber para tal, mas mostrar o que nele resplandece de espírito, talento, riqueza e originalidade, no já de si fértil painel dos artistas simbolistas.
A melhor forma, contudo, de prestar homenagem ao seu espírito, é observar, em silêncio, a sua obra, e ler, como quem ora, os poemas prece.