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A vida do Pintor António Cristóvão poderia também começar desta maneira. Haveria certamente matéria para um romance ou para vários romances, porque António Cristóvão não viveu uma só vida. Já viveu várias.
Eu apenas gostaria de contar um episódio muito simples da sua vida. Era a primeira vez que me encontrava com este pintor.
E aqui é que poderia começar com a frase enunciativa para descrever o meu encontro com a sua pintura.
Uma vez, num dia de chuva como acontece em quatro dias sobre sete nesta cidade de Bruxelas, descendo eu por uma rua que desemboca na emblemática praça Eugène Flagey, à volta da qual existiu sempre uma presença activa da comunidade portuguesa, deparei com a pintura de António Cristóvão que logo amenizou esta chuvosa tarde de Outono.
Instintivamente, fui atraído pela vitrina de uma galeria que se situa ao meio da rue de la Brasserie — Gallerie Pappilia — que, devo dizer, nunca tinha visitado. Estavam ali expostos quadros com motivos reconhecidamente belgas, a Grand Place, as típicas frontarias das casas ditas flamengas, esquinas de ruas, enfim, temas aparentemente banais.
Instintivamente, transpus a soleira da porta e continuei a admirar a variedade dos quadros e perguntava-me a razão do meu encanto. Não era fácil dizer logo uma razão, já que, como diz o ditado, os gostos não se discutem. Mas quando os olhos não se despegam de um objecto é porque somos encandeados pela luz que dele emana. A posteriori, foi essa a razão da minha atracção pelos quadros do Mestre António Cristóvão.
É que a pintura é luz e nós somos atraídos por ela, sem o querer, pois sem luz não haveria vida. E o António Cristóvão estava a dar luz à Grand-Place de Bruxelas que tantas vezes tinha visto. Mas aquela que ele me apresentava era diferente, com tons ocres, calorosas, cheios de sol. Eram estas cores que me faltavam neste dia chuvoso de Bruxelas. Mais à frente, no interior da Galeria, deparei-me com um eléctico. Reconheci o 81 que passa precisamente na rue de la Brasserie, mas com as cores do António Cristóvão, que mais parecia o nosso 28 a meandrar pelas alegres ruas de Lisboa, porque o Mestre lhe inseriu os verdes-amarelados-ocres-avermelhados, com traços rápidos e imperceptíveis que nos fazem sonhar e de que, instintivamente apreciamos.
— Então gosta? — perguntou-me o pintor, intrigado com a minha curiosidade.
— Parece que o sol de Portugal iluminou a Grand-Place de Bruxelas e os quadros com motivos belgas que pintou.
Sorriu e deixou-me continuar a desfrutar do encanto das cores que se despendiam dos seus quadros naquela tarde chuvosa de Outono em Bruxelas.