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O título parece estranho, eu sei, mas aguente só um pouquinho enquanto eu explico. Algures no meio de Agosto, Ricardo da Silva lançou a pergunta “Os robots devem pagar segurança social?”. Muito resumidamente, o autor argumenta que a introdução de novas tecnologias, neste caso robots e Inteligência Artificial (IA), leva à perda de empregos e consequentemente a uma redução de impostos necessários para financiar, entre outras coisas importantes, a Segurança Social. E portanto não seria mal pensado taxar os robots e a IA para cobrir o dinheiro em falta para as prestações sociais.
Pese embora as boas intenções, a tese principal do artigo assenta em pilares muito pouco estáveis. Vamos lá por partes. Apesar da novidade das tecnologias envolvidas, o principal suporte do artigo já tem barbas bem brancas: a ideia de que a introdução de tecnologia leva ao desemprego massivo e permanente da população. O autor cita até Keynes ao início, que em 1930 denominou este fenómeno como “desemprego tecnológico”. Mas será que isto se verificou?
À primeira vista, a resposta é um redondo não. A taxa de emprego em Portugal entre 1983 e 2021 diminuiu ligeiramente, menos de 3 %. Isto, apesar de como afirma o autor que “parece-nos indesmentível que se avançou, de forma sólida, na introdução da robótica no tecido empresarial português”. Como é que se avançou solidamente na introdução da robótica e ao mesmo tempo a quantidade de gente empregada praticamente não mexeu? Olhando para a variação de trabalhadores por sector, entre 2008 e 2021 as maiores quedas foram respectivamente: agricultura, indústrias extractivas e construção. Talvez por ser emigrante e apenas visitar Portugal no Verão, mas não me dei conta das hordas de robots que agora em Portugal lavram os campos, extraem pirites e constroem casas.
É possível que o desemprego tecnológico não se tenha manifestado porque uma boa parte da população activa deu de frosques. As estimativas apontam para pelo menos 2.6 milhões de emigrantes lusos. Mas visto que a maior parte foi para países industrializados, fica por explicar porque é que o desemprego tecnológico não se observa nesses países onde o nível de automação é pelo menos tão grande como em Portugal.
Outra possibilidade é que os salários neste jardim à beira mar plantado são de tal forma baixa, que torna a automação pouco competitiva face aos trabalhadores portugueses. Mas se é essa a explicação, então não é “indesmentível que se avançou, de forma sólida, na introdução da robótica no tecido empresarial português” como afirmou o Ricardo. A industrialização portuguesa começou a sérios nos anos 60, exactamente porque as fábricas do norte da Europa vieram à procura dos baixos salários portugueses. Muitas moveram-se entretanto para outras paragens, os salários esses continuam miseráveis.
Mas mesmo assim, é possível possa estar errado na minha análise. Ou pode ser que os efeitos nocivos das tecnologias no emprego só se vão fazer sentir daqui a uns anos. Se assim for, devemos taxar os robots e a IA ?
Esbarramos agora noutro pilar, igualmente pouco sólido. O que são exactamente robots e o que é IA? O autor não explica, indica apenas áreas onde “a (..) IA dificilmente nos poderá superar, isto é, na capacidade de inovar, de emocionar, de estabelecer padrões ético-morais ou de resolver o impossível.” Primeira nota: o impossível, nem os humanos, nem a IA consegue solucionar. Por definição de impossível. Segunda nota: já existe software e computadores capazes de fazer muita coisa nas áreas que o Ricardo da Silva parece pensar estarem reservadas ao ser humano.
Não vos vou maçar com uma lista de exemplos, aponto apenas para o excelente Creativity Code que descreve computadores capazes de criar (note-se bem o verbo) música, pintura, prosa e poesia originais (note-se bem o adjetivo). E se quiserem podem também ler na primeira pessoa, a histórica derrota do Gary Kasparov num jogo de xadrez contra um computador. E nada disto é novo, já nos longínquos anos 60 foi proposto, com toda a seriedade, que os computadores substituíssem os psicólogos. Mais, hoje em dia existem computadores para substituir advogados (sim, Ricardo, advogados) e até software para substituir programadores (sim, Nelson, programadores).
Mas mesmo se contornarmos o problema de definir exactamente o que são robots e IA, batemos de frente noutro problema: a automação está por todo o lado. A não ser que se leve uma vida de ermita num dos parques naturais que ainda não arderam, a vida moderna é impossível sem automação. Em vez de explicar como, peço ao leitor que tente imaginar a vida antes da Revolução Industrial, que começou em 1750. Ou, talvez mais fácil, a vida numa aldeia portuguesa em 1960. Quer água ? Agarre no cântaro e vá a pé, até à fonte mais perto. Quer um cântaro ? Vai até ao oleiro, e peça-lhe que lhe faça um. Quer umas calças ? Desloque-se até ao alfaite. A pé, obviamente. Quer fazer o almoço? Desenrasque-se com o que houver na arca, na salgadeira ou no fumeiro. Ou passe fome, que na altura não era assim tão incomum quanto isso.
Para que hoje tenhamos água nas torneiras, electricidade nas tomadas e Wifi para encomendar o almoço, é necessária a existência de um imenso exército de máquinas, e mais recentemente computadores, que mantêm o mundo a funcionar de forma quase automática. Deste exército, vamos taxar exactamente quais? Os sistemas de controlo das ETARs? Os routers WiFi? Os robots da Auto-Europa ? Ou talvez o computador com que muitos de nós trabalha diariamente?