Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Oslo é uma capital amiga dos que circulam a pé e isso até ao observar o edifício da ópera se percebe: por mor do acesso franco ao telhado e à área externa, com frequência os peões pontilham a pedra branca de tais espaços. Num fiorde e aberta à comunidade, a ópera aproxima os íncolas de Oslo da borda‑d'água e destaca‑se pelos primores da acústica e pelo traço original. É uma criação da Snøhetta, sociedade de arquitetos que ganhou fama graças ao projeto da nova biblioteca de Alexandria e que, entre vários arrojos, apresenta no portefólio trabalhos tão interessantes como a biblioteca central de Calgary e a sede do grupo Le Monde. Hoje, perto da ópera, há um prédio que gostaria de visitar. Alberga a principal biblioteca de Oslo e lembra pilha de livros, com um volume maior no cimo. Esse topo que se abre e é mais largo do que o embasamento foi gizado para anunciar a presença dos livros a quem chega do coração da urbe.
Sigo o fio da arquitetura e menciono o complexo de escritórios da maior empresa de gás e petróleo da Noruega, a Equinor (até 2018, Statoil). Em Fornebu, nas cercanias de Oslo, cinco blocos dispostos horizontalmente em várias direções, uns em cima dos outros, de jeito que deixam a impressão de legos por arrumar. Tampouco esqueço o museu Astrup Fearnley, que funciona numa tríade de edifícios com bonito forro de madeira. Dedicado à arte contemporânea, foi concebido por Renzo Piano, o «arquiteto dos museus», de parceria com uma sociedade norueguesa. Na foto do Astrup Fearnley sobreluz a cobertura vítrea inclinada — pescando no universo marinho e forçando a nota, pode dizer‑se que ela evoca o velame de um barco ou as barbatanas de uma raia.
Nem só as feituras modernas me entretiveram. Apreciei o estilo barroco no interior da catedral, a pátina das casas de madeira nas ruas Damstredet e Telthusbakken, o apartamento onde viveu Ibsen (aqui, assaz influenciado pela alergia que tenho a maiorias compactas, à sua falta de espírito crítico). Causou‑me assombro a igreja de madeira construída nos séculos xɪɪ e xɪɪɪ em Gol e reedificada no século xɪx no recinto do Norsk Folkemuseum. As verdades da arte são verdades de relação entre a obra e quem a contempla. Vi O grito, de Munch, que representa a angústia e o pavor. Contudo, marcou‑me mais a expressão infeliz da noiva noutro quadro do mesmo artista, O casamento do boémio: por motivos que não vêm ao caso, recordei‑me da minha mãe, a quem tanto devo, e lastimei que o meu amor por ela encontrasse paralelismo no travo que me deixava a sua alma encapelada.
Perto do museu Astrup Fearnley fica Aker Brygge, em tempos idos zona de estaleiros navais. Aí me desanojei do tédio que trouxera de Spitsbergen: bons restaurantes, atmosfera agradável, gente bonita e muito sorriso demure. Também em Grünerløkka nos rendemos ao gosto mundano. Outrora lugar de habitação dos operários das fábricas próximas, hoje é um bairro bobo.
Se em Oslo os arquitetos podem exibir o seu trabalho com orgulho, o mesmo foi consentido a um escultor, Gustav Vigeland. No parque Frogner preponderam mais de duzentas obras suas, de granito, bronze e ferro forjado. Nessa gliptoteca ao ar livre avulta O monólito, coluna granítica na qual Vigeland cinzelou um emaranhamento de 121 figuras humanas que é alvo de interpretações diversas e, no que é o mundo, em certo grau antagónicas. Uns veem ali a luta pela vida e por nela subir, outros descortinam anseios de espiritualidade e um caminho rumo ao céu. Sinnataggen é uma escultura expressiva que representa um garoto em acesso de ira. Uso o Facebook e deploro a atrabile que muitos aí espargem. Acho curioso haver pessoas que mostram, na foto de perfil, sorrisos, canitos e gatos mansos, mas soltam raiva e falta de empatia nas deposições e nos comentários. Essas almas encontrarão no Sinnataggen uma imagem de perfil apropriada.
O colosso de tijolo e risco austero onde funcionam os serviços do município de Oslo não é bonito. É, ainda assim, um edifício emblemático, que se distingue na paisagem e é o lugar de entrega do Prémio Nobel da Paz. No interior, as paredes têm farto adorno pictórico. A minha consciência social não faz férias e, em vez de apurar quilates artísticos, concentrei‑me no valor dado ao trabalho, na importância deste em várias obras, por exemplo, Pesca e agricultura, de Axel Revold e O desenvolvimento do movimento operário em Oslo, de Reidar Aulie.
Amante perfecionista, nas viagens que faço vou amiúde a sex shops. Perto do nosso Comfort Hotel Karl Johan havia uma, a Kondomeriet. É cada vez mais difícil descobrir artigos capazes de complementar o meu arsenal caseiro e o certo é que na Kondomeriet não vi nada que me interessasse. Atendeu‑me uma jovem que sabia pouco de sexo e de erotismo e isso reforçou a minha crença de que, nesse tipo de loja, os vendedores devem ter traquejo e saber da poda. Enquanto escrevo, recordo‑me com saudade da loja Beate Uhse em Berlim, terra na qual vivi e fui feliz. Não tenho ídolos, mas há figuras, mormente figuras forras de convencionalismos, que admiro. Uma delas é Beate Uhse, não por ter sido piloto da Luftwaffe durante a Segunda Guerra Mundial, mas porque foi pioneira do negócio das sex shops. O prazer sexual, na Alemanha e fora dela, deve‑lhe muito.