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Em terras de Penamacor, a minha primeira paragem foi na aldeia de Águas. Entre edifícios antigos, casas com pátina e arquiteturas sem graça, nela prepondera a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, dos anos cinquenta do século xx. Concebida por Nuno Teotónio Pereira e edificada em terreno cedido pela família Megre, que também financiou o projeto, segue cânone modernista. Tem planta trapeziforme e duas naves: a principal, que converge para a capela‑mor, e uma nave lateral, cuja instrutura obedeceu a pedido dos Megres, com o batistério e três capelas. Vista de fora, a igreja não é bonita. Todavia, marca rutura e fala mais alto do que os restantes edifícios da povoação. No interior depurado, saliento: o jogo cromático; os painéis esculpidos e pintados da Via-Sacra; o crucifixo de Jorge Vieira na capela‑mor; a singular pia batismal (um barroco que veio da Ribeira de Alpreade) e a parede do batistério, forrada de placas cerâmicas e de tesselas.
Quando cheguei a Águas, a igreja estava fechada. Perguntei num café quem ma poderia abrir e, em terra onde todos se conhecem, alguém nomeou o casal que tinha a chave e indicou‑me a respetiva morada. Tive Isabel Lourenço, antiga governanta da casa dos Megres, a dirigir a minha visita. Foi um privilégio. Senhora distinta por dentro e por fora, assistira ao início da construção da igreja e fez dela a sua segunda casa. Ao passo que palmilhávamos a área intestina do templo, Isabel febricitava de entusiasmo.
Já em Penamacor, terra altaneira em parte rodeada de montado, fui ao Museu Municipal, que partilha instalações com o posto de turismo. O seu acervo generalista mergulha o curioso na história da região e integra peças de índole diversa, mormente vestígios arqueológicos, ferramentas caraterísticas de vários ofícios, alfaias e utensílios agrícolas. Dele destaco uma escultura de pedra, do século xɪɪ, que representa Santa Maria da Rocha, e uma artística mesa‑tabuleiro para o jogo de damas. Passei à vol d’oiseau pela secção de animais embalsamados, para isso me faltam o gosto e a vocação.
Enquanto almoçava no restaurante A Cave — sem prato regional, mas com rissóis de leitão e pudim de ovos credores de vénia —, escutei uma conversa entre gente que se movia num universo de hipocorísticos e tive a perceção de que, sem projetos ou desígnios, a vida do Nano, da Tita, da Micá e da Bia se esgotava em avos e caramilhos.
A elegância da fachada da Igreja Matriz não se repete no interior. Pelo contrário: a grande massa de cantaria aparente da capela‑mor é, em termos estéticos, incompatível com os outros elementos presentes, destrói a harmonia in situ e tira a vontade de observar a Santíssima Trindade pintada na cobertura em falsa cúpula.
Dos tempos em que foi praça de guerra, Penamacor herdou uma zona monumental, situada no ponto cimeiro da vila. O passeio nessa área, outrora o recinto amuralhado do burgo medieval, há de incluir paragens para observar a Torre de Menagem, a Torre do Relógio e a Casa da Câmara (antigos paços do concelho), imóvel de planta retangular sob o qual se encontra uma porta que dá acesso ao bairro histórico. Já extramuros, merece referência o pelourinho, que ainda mantém as argolas nos seus ganchos de ferro forjado. Sairá mais feliz dessa coroa de Penamacor o viajante que associar o exame do património à contemplação da paisagem beirã.
Para o fim da jornada, estava guardado o melhor pedaço. Na verdade, um dos que marcaram o meu giro pela Beira Baixa. Falo da visita à igreja do Convento de Santo António, outrora casa de franciscanos capuchos. A frontaria esconde um interior que regala a vista e a alma.
Na nave, o teto — em falsa abóbada de berço — é um mundo de cor. Divide‑se em caixotões pintados com carrancas, aves, putti e motivos fitomorfos. As molduras dos caixotões, assim como os florões de remate, são de talha dourada. O púlpito, policromo, tem baldaquino e assenta em vistosa mísula na qual sobressai um anjo. O respetivo guarda‑corpos reparte‑se por painéis ornados de aves e de motivos vegetalistas e por molduras com acanto e putti. Resta saber se, perante a magnitude do arreio, quem ouvia o pregador seria capaz de se concentrar nas suas palavras. Dois retábulos de talha dourada ladeiam o arco cruzeiro da igreja.
Na capela‑mor, a cobertura espraia‑se em caixotões de fino ornato. O retábulo de talha dourada que segue estilo nacional produz efeito cenográfico. Na tribuna, impera a imagem de Nossa Senhora da Conceição; arquivoltas helicoidais dão continuidade às colunas torsas decoradas com folhas de acanto que flanqueiam tal tribuna.
Demorei‑me na igreja do Convento de Santo António, nunca me cansaria de ver o seu interior. Ainda tive direito a dois dedos de conversa com Idalina e com Ana Luísa, as funcionárias da Santa Casa da Misericórdia de Penamacor que me haviam aberto as portas do templo. Nelas percebi empatia com os idosos e, sobretudo no caso da primeira, abnegação e queda para o trabalho social.