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Começarei por prestar homenagem ao pintor da capa do meu livro, António Jorge Cristóvão, que faz também parte da leva da nova emigração, pois chegou há Bélgica há pouco tempo. Depois de ter peregrinado pelos meios artísticos e empresariais em Portugal, e desiludido com a economia asfixiante dos últimos oito anos, pegou, corajosamente, no seu património pictural e estabeleceu-se na Bélgica. Depressa ocupou um espaço tipicamente português que aqui faltava.
Neste céu quase constantemente cinzento da Bélgica, António Cristóvão trouxe as cores de Lisboa à cidade de Bruxelas. É difícil não notar o jorrão luminoso que brota dos seus quadros. Até nas pinturas de tema urbano como o Sablon ou a Grand-Place, este pintor consegue transmitir a cor luminosa por que tanto por aqui ansiamos. Não foi difícil perceber que se tratava de um pintor português. Ao passar pelo Shoping de Wolwué, pela Galeria Linthout, ou pela Galeria Pappilia, perto da Place Flagey, era quase impossível não parar. Sentíamos a alma portuguesa no colorido dos seus quadros.
E eu que andava desesperado à procura de uma pintura para a capa do meu livro Rostos da Emigração, encontrei no António Cristóvão a mão certa, o pincel sensível para exprimir a realidade frágil de um povo que caminha à procura de melhor vida. Na capa deste livro perpassam os rostos de todos nós. É uma epopeia de rostos peregrinos que vão e que vêm. Não têm assento fixo. Vivem na fronteira de diversos países ao mesmo tempo e têm o coração aberto a diversas culturas. Esta peregrinação é um autêntico emigrar, um verdadeiro partir para outras terras já que a nossa não quis saber de nós. O meu rosto está também na capa deste livro.
Votados ao sistemático esquecimento do poder central, não havia outra solução a não ser a trágica decisão de emigrar. Emigrar de noite, emigrar sem rosto, emigrar depressa, emigrar de manhã cedo, emigrar com chuva, com vento, com neve, ao sol nascente, ao sol poente, sem dar nas vistas, a fugir, a correr, em roldão…
A emigração é a nossa epopeia e é desta que temos de falar. Temos uma epopeia para contar, para escrever, para cantar, para pintar, para ouvir e divulgar. Temos uma epopeia subterrânea que é necessário fazer ressurgir à luz do dia. Faz-nos bem reconciliarmo-nos com ela, tanto os que cá estão como os que lá estão. Temos de a aprofundar, temos de lhe encontrar o miolo, talvez a súmula, esperando que ela nos leve para os campos da ficção, para os domínios do cinema, da literatura, da pintura, da música…
Não foi em vão que uma geração dos anos sessenta se viu obrigada a optar pela emigração para que os seus filhos, embora não escondendo as lágrimas e as cicatrizes da ausência, pudessem frequentar as universidades e estar hoje em postos chave e, alguns, até na governação do país.
A estes emigrantes temos de estar agradecidos pelo progresso e transformação do nosso Portugal. Foi a pensar neles, na sua coragem, na sua ousadia que este meu livro nasceu. Os seus gestos, as suas pegadas apressadas, os seus rostos altivos a olhar e a desafiar a fronteira, as fronteiras, inspiraram-me a feitura deste livro – Rostos da Emigração.
O material deste livro é a vida da gente simples e é esta que também temos de mostrar. É esta gente que faz as epopeias e que é necessário cantar, tal como Camões cantou aqueles que peregrinaram noutras terras. Eles são uma riqueza incalculável. Partiram, fizeram a pátria noutro lado. Mas o exílio continua vivo na nossa pele e talvez este exílio seja, infelizmente, a nossa verdadeira pátria.
Joaquim Tenreira Martins